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O hífen nas formas reduzidas

 

Um colega, leitor desta coluna, nos enviou a seguinte pergunta: "Em conformidade com a lição expressa na Base XV do novo Acordo, pela qual se usará o hífen nos casos em que o primeiro elemento do composto (um substantivo ou adjetivo) pode apresentar-se sob forma reduzida como 'és-sueste' [por 'este-sueste']; 'bel-prazer' [por 'belo-prazer'], o mesmo princípio não se estenderia às formas não hifenadas registradas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) 'fotorreportagem' ['foto' por 'fotografia'], 'autoestrada' ['auto'por'automóvel'], 'cineteatro' ['cine' por 'cinema']?" Se vale a comparação, por que estas últimas não se grafarão com hífen?

À primeira vista parece que se trata do mesmo fenômeno de abreviação; todavia, exame atento nos mostrará que estamos diante de motivações linguísticas distintas. Em 'és-sueste' ou 'bel-prazer', as reduções são devidas ao fenômeno da fonética sintática; 'este' passado a'és' e 'belo' a 'bel' se explicam pela posição átona em que se acham as formas plenas nos respectivos grupos de força com que se pronunciam os substantivos compostos. Estamos aqui no domínio da fonética. Já em 'fotorreportagem', 'autoestrada' e 'cineteatro', as formas 'foto','auto' e 'cine' não são reduções devidas a motivações fonéticas, mas são reduções morfológicas que valem pelas formas plenas 'fotografia', 'automóvel' e 'cinema', radicais que recebem, na morfologia, o nome de 'pseudo-prefíxos' e que, no sistema ortográfico, se alinham às normas estabelecidas para os prefixos.

Daí não caber, nem na Fonética nem na Morfologia, analogia entre 'és' de 'és-sueste' ou 'bel' de 'bel-prazer' com 'auto' de 'autoestrada' ou 'foto' de 'fotorreportagem'. Esta falta de analogia, por se tratar de unidades linguísticas diferentes, também se reflete na criação de palavras do novo léxico: note-se a pobreza do repertório lexical de 'bel' (por 'belo') ou 'és' (de 'este') diante da riqueza de formas já correntes, por exemplo, com 'auto' (de 'automóvel'), além de possíveis neologias que a criatividade científica e técnica estimulará aparecer Isto porque estamos no domínio infinito do significado lexical, isto é, aquele que aponta para os 'objetos' reais e imaginários do mundo que nos cerca.

Retomando o problema ortográfico, não se emprega o hífen quando o 1º elemento do composto for prefixo ou pseudo-prefixo terminado por vogal e o 2º elemento começa por vogal diferente, prática em geral já adotada nas terminologias científicas e técnicas; daí a forma não hifenada 'autoestrada'. Se o 2º elemento começa por 'r' ou 's', duplicam-se estas iniciais; daí, 'fotorreportagem'. Fora destes dois casos, temos 'cineteatro'; todos registrados no Volp.
 
Estas considerações nos certificam de que uma reforma ortográfica é tarefa que deve caber aos técnicos, e suas propostas, depois de aprovadas pelos governos, apresentadas aos professores que vão ter por tarefa ensinar aos estudantes. Um novo sistema ortográfico não se destina, em rigor, à geração que o elabora, mas aos que se iniciam a escrever. Toda reforma encontra seus críticos, porque é natural a reação a mudanças de hábitos, uns aprendidos na infância que já vai longe. Também é natural que reajam os literatos, porque eles têm com as palavras e suas formas uma aura e nutrem por elas um sentimento afetivo que não admite retoques ou maculações. Mas há também aqueles que criticam sem saber por que o fazem, ou, justamente porque o sabem, sonegam, por ignorância, as razões e argumentos que os movem. 

Essas críticas impedem proporcionar à língua um sistema ortográfico unificado e simplificado — embora com imperfeições, porque nenhum idioma o tem perfeito —, que traduza que os usuários deste patrimônio compartilhado com tantas nações atingiram a maturidade cultural e política para tê-lo como companheiro na trajetória que o futuro reserva à comunidade dos países de língua portuguesa.

O Dia (RJ), 10/7/2011