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Mundo paralelo ilegal

 

É impressionante tomar conhecimento das negociações por baixo dos panos entre parlamentares os mais diversos, dos vários partidos, e diretores da empreiteira Odebrecht, uma empresa que se organizou na clandestinidade para tratar de maneira profissional as demandas dos políticos, que por sua vez organizaram suas carreiras com base no financiamento ilegal de campanhas eleitorais, muitos sabendo que na maior parte tratava-se pura e simplesmente de propina. 

Criaram um mundo paralelo ilegal que todos compartilhavam, uma dark web política, que em vez de vender drogas e armas vendia prestígio e corrupção.
As duas corporações, empreiteiras e políticos, desmontaram ao longo dos anos o sentido de seus papéis sociais para transformarem-se em braços de uma mesma estrutura corrompida, que baseava no toma-lá-dá-cá a razão de existir, sem que tivessem a menor importância os partidos que representavam, os programas que apoiavam, as obras que idealizavam ou construíam. 

Obras inúteis como refinarias em locais inapropriados eram apenas pretextos para drenar dinheiro do contribuinte para bolsos próprios ou, na menos ruim das hipóteses, campanhas eleitorais que prolongariam o círculo vicioso.
 No primeiro relato vazado de um dos 77 delatores da Odebrecht, está lá uma verdade crua: interessava à empreiteira o prosseguimento da carreira deste ou daquele parlamentar, independente do partido a que pertencessem, pois eram colaboradores fiéis que a qualquer momento poderiam ajudar a empreiteira a conseguir obras. 

O relato da argumentação de Geddel Vieira Lima, vendendo-se como um importante ativo da empreiteira que não era recompensado como deveria, é tragicômico. Os apelidos muitas vezes demonstravam o desprezo dos corruptores pelos corrompidos: Paes Landim (Decrépito), Lídice da Mata (Feia), Jutahy Magalhães (Moleza), Francisco Dornelles (Velhinho), Eduardo Paes (Nervosinho), Lindbergh Farias (Feio) e Romero Jucá (Caju).

Outros, apenas identificavam os participantes da lista de propinas ou Caixa 2, que acabaram integrando uma miscelânea de políticos que estão todos no mesmo saco, moral homogênea que forjou uma classe política desmoralizada pelos fatos que comprovam os relatos. 

As CPIs que não davam em nada, assim terminavam não por incompetência de seus membros, mas por competência excessiva em criar dificuldades para vender facilidades. Receber dinheiro por fora virou uma norma na carreira política, e os que ficaram de fora das delações premiadas são verdadeiros heróis por permanecerem na política, resistirem às tentações e ainda competir em desigualdade de condições com os que faziam campanhas eleitorais turbinadas por dinheiro sem controle, quando não oriundo de propinas. 

Todo dinheiro proveniente de Caixa 2 das empresas, que entrava por isso mesmo no Caixa 2 dos candidatos, é dinheiro ilegal, que não foi declarado, e por isso precisa ser gasto clandestinamente. Muita gente acha que não é crime penal, apenas eleitoral. Mas muitos aguardam que seja aprovado o projeto de medidas contra a corrupção que criminaliza o Caixa 2, dando margem a um argumento jurídico nos tribunais de que não era crime anteriormente.

O primeiro relato dos abusos com o dinheiro público da maior das empreiteiras transforma em realidade uma antiga piada sobre corrupção, que mostra um político prosperando economicamente à custa de obras que nunca foram realizadas. A piada dá contornos de verdade ao conselho do economista Mario Henrique Simonsen, que aconselhava pagar a comissão ao político e não fazer a obra, que sairia muito mais barato. 

Sabemos agora que, no Brasil, as obras são feitas, às vezes necessárias, outras desnecessárias, mas rentáveis, outras ainda em locais inadequados. Mas todas têm seu sobrepreço a pagar. O presidente Michel Temer não pode ser processado por fatos acontecidos anteriormente ao seu mandato, mas os R$ 10 milhões que é acusado de ter recebido para a campanha presidencial de 2014 podem pesar na balança do Tribunal Superior Eleitoral. 

Caso fique comprovada a doação ilegal, não será mais possível separar suas contas das da ex-presidente Dilma. 

O Globo, 11/12/2016