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Morrendo pela boca

 

O fim de ano tem seus perigos particulares. Tudo parece meio elétrico. As pessoas ficam impacientes, querem chegar logo, andam e dirigem de qualquer jeito. Outro dia, aqui no Rio, vi um mensageiro carregando uma bandeja de rabanadas ser atropelado por uma motocicleta ao atravessar a rua no meio dos carros. Nada de muito grave, mas as rabanadas foram literalmente para o espaço. Essa sofreguidão vem de longe: foi num Natal que o famoso rei inglês João (1167-1216), contemporâneo de Robin Hood, morreu de indigestão de lampreias. Já o nosso Luiz Gonçalves dos Santos (1767-1844), importante historiador do Brasil Imperial, mais conhecido como padre Perereca, morreu de indigestão de carambola.

O problema, no fundo, está em tudo que entra pela boca em qualquer época do ano. Agátocles (361-289 a.C.), governante de Siracusa, morreu engasgado com um palito. E Cláudio, imperador de Roma (10 a.C.-54 d.C.), ao constatar que sua mulher estava lhe servindo cogumelos envenenados, desesperou-se e introduziu uma pena na garganta para induzir vômito. Morreu também engasgado com ela.

Veneno ---cicuta--- foi o que ingeriu o filósofo ateniense Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), preso por motivos políticos e condenado a "suicidar-se". Era tão amado pelos jovens que os juízes não ousaram executá-lo. Sócrates poderia ter fugido, mas preferiu cumprir a sentença por "respeito às leis de Atenas", e bebeu a cicuta de um gole. Foi. Já o romancista britânico Graham Greene (1904-91), católico cheio de culpa e angústias, tentou se matar bebendo colírio. Como fracassou, preferiu viver. Sorte nossa.

E, falando em final feliz, Chita (1930-91), o chimpanzé capturado em bebê na África e levado para Hollywood, já era louco por banana em seu habitat. Mas foi na MGM, vendo seu colega Johnny Weissmuller, o Tarzan, comendo uma, que descobriu que ela era ainda mais gostosa sem casca.

 

 

Folha de São Paulo, 28/12/2023