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A grafia de abreviatura e o emprego de ‘onde’

 

Uma leitora atenta nos indaga sobre como grafar a teoria do princípio de ‘reduzir, reutilizar e reciclar’ em referência ao gerenciamento da eliminação de resíduos sólidos em benefício de preservação do meio ambiente, uma vez que tem visto na imprensa modos diferentes de fazê-lo: 3 R’s, Três R’s, os três Rs.

Quanto ao numeral, tanto vale grafar 3 ou, por extenso, “Três”; a maiúscula é melhor que a minúscula, por se tratar do título do tal princípio. A dúvida maior recai na representação abreviada do ‘r’ inicial de ‘reduzir’, ‘reutilizar’ e ‘reciclar’. Já está assentado que o plural de abreviatura ou sigla se faz mediante o acréscimo de um ‘s’ pluralizador, sem emprego do apóstrofo. Portanto, Rs, e não R’s. Em alguns casos, indica-se o plural duplicando-se a letra da abreviatura: EEUU, usado como equivalente a Estados Unidos; ou “A palavra totó tem dois tt e dois oo”. Pode-se também optar, quando for possível, por escrever por extenso o nome da letra: ‘Totó’ tem dois tês e dois ós. Destes comentários, poderemos responder à leitora que será possível grafar: Princípio dos Três (ou 3) Rs ou RR, ou Erres. A opção por Três RR pode chocar o juízo lógico do leitor, por falar em três e só apontar dois RR. Por outro lado, decidir-se por Três Erres pode levar o leitor descuidado a pensar na forma ‘erres’ do verbo ‘errar’. Sobra, assim, como abreviatura melhor, Três Rs, sem o emprego do apóstrofo.

Outro leitor desta coluna e atento estudioso da riqueza do nosso idioma nos pede que tratemos de alguns empregos de ‘onde’ que aparecem fora das construções consideradas padrões nos textos escritos e na língua falada em nível formal. Nos tempos mais antigos do idioma, ‘onde’, graças à sua natureza de advérbio de lugar, se aplicava tanto à circunstância de lugar real (= neste local), quanto à de lugar virtual ou figurado, nos seus matizes semânticos de vizinhança, aproximação, ou direção. Tais matizes favoreciam o emprego de ‘onde’ reforçado por preposição: a (aonde), de (de onde, donde), etc. Por isso, desde sempre os escritores podiam usar indiferentemente ‘onde’ e ‘aonde’, por exemplo, nas indicações de repouso (Nasci onde/aonde você nasceu) ou movimento (Fui onde/aonde você foi), a ponto de ocorrerem na mesma frase, ou bem próximo, as duas formas, como neste poema de Cláudio Manuel da Costa, poeta árcade brasileiro do século XVIII: “Nise, onde estás? Aonde? Aonde?”

A partir do século XIX, com o maior cuidado dos gramáticos para estabelecer disciplina no uso da modalidade formal na língua escrita, procurou-se evitar esse uso indiscriminado de ‘onde’ e ‘aonde’, e se passou a recomendar ‘onde’ para a circunstância de repouso (Nasci na cidade onde você nasceu), ‘aonde’ para circunstância de direção (Fui aonde você foi) e ‘de onde’ ou ‘donde’ para a noção da origem, procedência, ponto de partida (De onde você vem?, Donde nasceu essa ideia? Perguntaram-me donde procede essa história?). Parece que o primeiro gramático a propor esta distinção entre o ‘onde’ e ‘aonde’ foi o dicionarista fluminense Antônio de Morais Silva, em 1813. Todavia, a proposta não alcançou o resultado desejado, principalmente no uso oral. No texto escrito formal a lição corre vitoriosa, apesar dos descumprimentos raros — é verdade — que hoje ainda se registram.

Portanto, esforcemo-nos por atender a esta lição da gramática normativa: Se o enunciado encerra a ideia de repouso, usa-se ‘onde’: onde estou, onde nasci, onde moro, onde trabalho, onde estudo, etc. Se a ideia é de movimento, usa-se ‘aonde’: aonde vou, aonde me dirijo, aonde me levaram, etc. Se a ideia é de origem, procedência, ponto de partida, usa-se ‘de onde/donde’: donde venho, donde saí, donde parti, etc.

O Dia (RJ), 12/2/2012