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Cerco às investigações

 

O cerco às investigações da Lava Jato continua com a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de suspender todas as investigações baseadas em dados fiscais repassados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e pela Receita Federal ao Ministério Público, sem autorização judicial. Apesar de decisão do plenário do STF a favor, tomada em 2016.

 Também o Conselho Nacional do Ministério Público, através do corregedor Orlando Rochadel Moreira, decidiu investigar o coordenador da Lava-Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol com base nas últimas revelações do site Intercept Brasil, a pedido o PT.

Desconhecendo a ilegalidade da invasão dos celulares, o Corregedor tratou como prova válida os diálogos e, baseando-se na versão publicada, pede explicações aos procuradores. Segundo ele, as conversas "revelariam que os citados teriam se articulado para obter lucro mediante a realização de palestras pagas e obtidas com o uso de seus cargos públicos". Esquecendo-se de que as palestras estão autorizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo próprio CNMP.

A notícia boa para os procuradores foi que a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, saiu de sua paralisia e, depois de uma reunião de mais de três horas com Dallagnol e um grupo de outros sete procuradores de Curitiba, declarou seu apoio à atuação deles na Operação Lava Jato.

O fato de Dodge não ter se pronunciado até agora, e de ter segurado delações como a de Leo Pinheiro, presidente da OAS, fez com que o procurador José Alfredo de Paula Silva, coordenador do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR, pedisse demissão na sexta-feira.

 Com origem em um recurso do senador Flavio Bolsonaro, que está sendo investigado pelo MPF do Rio, a liminar de Toffoli abrange toda e qualquer investigação em andamento no país e, segundo o procurador Eduardo Al Hage, coordenador da Lava Jato no Rio, atinge praticamente todas as apurações de lavagem de dinheiro.

 Ao suspender processos e inquéritos abertos com base em dados da Receita ou do Coaf, Dias Toffoli ignorou decisão do plenário do STF, que, em 2016, confirmou a permissão de a Receita poder acessar informações bancárias sem autorização judicial.

O Ministério Público pede rotineiramente que seja feito o compartilhamento de dados para investigações, e a Operação Lava Jato tem trabalhado em sintonia com a equipe especial de fraudes da Receita.

O STF deveria ter analisado o caso, com repercussão geral, em março, com base em um recurso do Ministério Público contra decisão do TRF-3, que afirmou ser ilegal o uso de dados sigilosos em investigações sem autorização judicial. Mas Toffoli adiou o julgamento para novembro.

 Até lá, vale a sua decisão monocrática, durante o recesso do Judiciário. Toffoli reconhece que a jurisprudência do Supremo é a favor do compartilhamento sem necessidade de autorização judicial. Tanto que no início do ano considerou importante, reafirmada a jurisprudência, definir limites objetivos que os órgãos de fiscalização deveriam observar ao transferir automaticamente para o MP informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral.

O assunto voltou à discussão recentemente, quando uma investigação sobre o ministro Gilmar Mendes vazou para órgãos de imprensa. Ele ficou naturalmente indignado e deve ser o terceiro ministro a votar contra o compartilhamento de dados sem autorização judicial. No julgamento anterior, em 2016, somente os ministros Marco Aurélio Mello e Celso de Melo votaram contra, ficando vencidos por 9 a 2.

O ministro Toffoli, que ontem suspendeu a permissão monocraticamente, também votou em 2016 a favor. Se permanecer essa proibição, as investigações sobre fraudes financeiras ficarão seriamente prejudicadas até novembro, quando o plenário deve julgar o caso definitivamente.

 

O Globo, 17/07/2019