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Acordo por dentro e por fora (I)

 

Vimos falando com nossos interessados leitores, conversando e discutindo sobre o texto do novo Acordo Ortográfico, suas normas, seus silêncios (como no caso do prefixo 'sub'-), de modo que cremos ter chegado o momento de ver este documento mais de perto, penetrar na sua história e esboçar-lhe o provável futuro vitorioso, se seus usuários decidirem levá-lo a bom termo, em benefício da Língua como patrimônio político e  cultural de tantas nações.

Comecemos então, pela trajetória histórica desse Acordo, que não começou ontem nem caiu do céu por acaso.

Os últimos encontros de especialistas integrantes das delegações acadêmicas de Portugal e Brasil e dos cinco países africanos que têm o português como língua oficial tiveram como propósito central diminuir as diferenças que separavam os dois sistemas ortográficos oficiais vigentes: o português africano (o sistema de 1945, com as pequenas alterações ocorridas em 1973) e o brasileiro (o sistema de 1943, com as pequenas alterações ocorridas em 1971). Já essas alterações tiveram por propósito diminuir as diferenças então existentes: o excesso de emprego de acentos diferenciais e o uso dos acentos grave e circunflexo nas vogais de sílabas subtônicas nos derivados com o sufixo começado com 'z' e com o sufixo '-mente' (êle, nêle, cafezal cafezinho, avózinha, amávelmente, cômodamente,etc).

Por isso em maio de 1986, reuniram-se no Rio as delegações dos sete países (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe), de cujo encontro resultou o projeto de 1986, com propostas de mudanças radicais, contrariando a ideia inicial de apenas limitar-se a negociar os pontos discordantes. Naturalmente, o texto não agradou a todos, principalmente da parte de Portugal. Motivados pelo propósito da unificação ortográfica tão importante para o ensino, para a política e para a difusão do idioma no mundo, voltaram as delegações a se reunir em outubro de 1990, agora em Lisboa, e aí firmaram o novo Acordo, que passaria a ser lei.

Esse novo Acordo, menos radical, tendeu visivelmente para repetir grande parte das normas fixadas pelo sistema português-africano vigente hoje e que vem, pelo menos, desde 1945 (com a complementação de 1973, acima aludida). O que de novo trouxe o Acordo de 1990 foram, além da inclusão das letras 'k', 'w' e  'y', sempre usadas nas palavras estrangeiras, pequenos melhoramentos na acentuação, e uma nova sistematização no emprego do hífen (sempre difícil e complicado de resolver em todas as línguas que o adotam); sistematização que pode, com o tempo, é verdade, ser ainda melhorada. Mas são detalhes que não impedem a aprovação e implantação do novo Acordo de 1990 como está redigido, assim como não foram empecilho os excessos dos acordos de 1943 e 1945, resolvidos em 1971 (no Brasil) e em 1973 (em Portugal).

Gonçalves Viana, coadjuvado pelos melhores representantes dos estudos filológicos de Portugal, pôs o sistema ortográfico do nosso idioma nos trilhos da boa ciência, e , em 1911, promoveu a reforma  que até hoje é unanimemente considerada a de melhores fundamentos científicos. Em suas pegadas, a proposta de 1931, esta já com a presença do Brasil e, principalmente em 1945, os fundamentos de 1911 contaram com o trabalho competente do filólogo português Rebelo Gonçalves, autor do 'Vocabulário da Academia das Ciências de Lisboa', editado em 1940, do 'Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa', em que explica a reforma de 1945 e a aperfeiçoa em detalhes que foram esquecidos, e do 'Vocabulário da Língua Portuguesa', editado em 1966, mas ainda sob a édige do sistema de 1945.

Com isto, queremos dizer que as propostas de 1945 são, em geral, o que de melhor produziu Portugal, o que patenteia a gratuidade das críticas hoje oriundas de Portugal, endereçadas ao novo Acordo de 1990, quando o consideramos, como já dissemos atrás, fundamentado quase por inteiro nas reformas de 1931 e 1945, intrinsecamente ligados ao sempre elogiado sistema de 1911. A explicação dessas críticas, se pode existir, deve estar ainda ligada àquela denunciada e explicada por D. Carolina Michaelis de Vasconcelos acerca dos detratores da reforma de 1911:"espíritos rombos, inimigos do progresso".(CONTINUA)

CORREÇÃO: No artigo de domingo passado, registrando a grafia errada 'subumano', esquecemo-nos de dizer que ela foi eliminada na Errata do Volp. A grafia correta é sub-humano.

O Dia (RJ), 28/8/2011