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Xixi no velório

 

Vilaça levou anos a se deliciar em narrar casos ligados à sua vida religiosa. Recriminou as hipocrisias e as regras preconceituosas do Seminário ao tempo em que igualmente reconhecia as emblemáticas boas lições recebidas. Se houvesse a classificação, diria dele ter sido um “católico amador”. Era católico ao seu modo. Com a velhice tornou-se menos efetivo, deixou as missas dominicais mas o fervor mariano não se esgarçou. Onde trabalhasse, morasse, na carteira de anotação, no carro, sempre protegido pela estampa de N. S. do Perpétuo Socorro, invocação que lhe passara a mãe Cecília, essa sim, uma fiel 100%. Meu pai também confiava em favores de dom Expedito Lopes, bispo de Garanhuns, assassinado por antigo colega, de quem meu pai testemunhara atos poucos ortodoxos ao tempo deles seminaristas.

Rezava com a minha mãe todas as noites. Enquanto pude, os acolitei. Sua oração favorita: Lembrai-vos: “Lembra-vos ó piedosíssima Virgem Maria... ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria”.

Depois dessas dedicações, vinham visitas a santuários, como ato de fé importante. Frequentou missa no Colégio Regina Coeli, com pe. Nicolau a celebrar e ele, discretamente, a me dizer: “Missa de Nicolau é boa porque é rápida”. Acabou também “devoto” de Chico Xavier, a quem nunca viu e para quem ensaiou umas tantas visitas em Minas.

O velho foi amigo dos párocos de Limoeiro. De todos, até dos italianos dos últimos anos de vida, embora destes discordasse das “modernidades”, algumas simplesmente advindas do Concílio Vaticano II.

Dos párocos em Limoeiro os mais próximos foram o pe. Otávio Aguiar, tornado bispo em solenidade de que foi paraninfo com José da Costa Porto, ao tempo ministro da Agricultura; monsenhor Gentil Diniz Barreto, também feito bispo enquanto vigário em Limoeiro. De outro é preciso dizer fato curioso. É do cônego Fernando Passos, cuja morte meu pai chorou.

Contava Vilaça o seguinte episódio: morreu a mãe de d. Ricardo Vilela, solene e pomposo bispo de Nazaré da Mata, diocese a que pertenciam os limoeirenses. Para dar relevo ao sepultamento organizaram-se caravanas paroquiais de todos os lados, empenhadas em prantear com o máximo de dedicação possível. Fernando Passos dirigia a maior paróquia da diocese e não queria perder para ninguém em manifestação da dor da perda. Convocou o beatério e pediu participação apaixonada. Avisou que os colegas Rocha, de Carpina, e Fonseca, de Timbaúba, iriam caprichar. Dito e feito. As delegações choraram, beijaram o cadáver de dona Amélia e houve até uma Filha de Maria, timbaubense, com crise histérica. Dom Ricardo transido na comoção sem limites. Pe. Fernando chama paroquiana mais teatral e adverte: “Limoeiro vai perder”. A filiada ao Apostolado da oração rebateu: “Deixe comigo”. E na vez de Limoeiro, foi para junto do féretro, chorou, beijou a testa de d. Amélia, deu um pequeno ataque e urinou-se toda.

Limoeiro ganhou.

Jornal do Commercio (PE), 20/09/2014