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Velho é quem se acha

 

Pesquisa Datafolha acaba de revelar que o brasileiro se considera jovem até os 37 anos e, velho, após os 64, dependendo de como encara a idade. Sendo assim, eu poderia dizer que sou um idoso de apenas 22 anos (façam as contas), sem ter do que me queixar. Não estou entre os que fazem o elogio irrestrito de uma fase da vida em que até o prefixo é traiçoeiro — sexagenário não tem nada a ver com sexo, se é que se precisa avisar. Mas também não acho que seja o pior dos tempos, principalmente quando se sabe que a adolescência, tão idealizada à distância, é uma das fases mais atormentadas da existência.

Nem sempre é a idade o que nos torna felizes ou infelizes, e sim a cabeça, assim como o que faz mal à saúde é a doença, não a velhice. Perdi pelo caminho, para o câncer, o infarto, o HIV e até o Alzheimer, vários amigos bem mais jovens. Mas, por outro lado, tenho uma amiga centenária, ativa e feliz, que responde o seguinte quando se tenta saber o segredo da saudável longevidade: “É que fumo, jogo e bebo”. E é verdade, embora não se trate de uma receita para todos. Em geral, é a genética que decide cada caso.

Enquanto isso, carpe diem, como aconselhava o poeta latino Horácio, ou como dizia o seu colega de hedonismo Vinicius de Moraes: “A coisa mais divina/ Que há no mundo/ É viver cada segundo”. A chamada terceira idade não é a número 1, mas merece destaque nessa moda cabalística do tertius — Terceiro Mundo, terceiro milênio, terceira via, terceiro sexo, terceira pessoa da Santíssima Trindade. É ainda a melhor alternativa, à qual se chega, quando se chega, munido de prudência, juízo, sabedoria, experiência e, claro, boas taxas de colesterol, triglicerídeos e glicose.

De qualquer maneira, estamos mais bem conservados do que nossos antepassados. Comparem algumas celebridades de ontem e de hoje. Vejam as fotografias daqueles barbudos famosos, todos provectos, mais para lá do que pra cá. Pois bem, o velho Marx, que morreu com 65 anos, tinha oito a menos que Chico Buarque. Junte as fotos de Dom Pedro II e Caetano Veloso. Quem é o mais jovem? O compositor, certo? Errado. O imperador era nove anos mais novo. E Machado de Assis, alguém poderia adivinhar que ele tinha sete a menos que Roberto Carlos? Felizmente, não se fazem mais jovens com cara de velhos como antigamente.

Do alto de minha nova condição etária, ouso afirmar que, graças às duas principais virtudes anciãs — paciência e tolerância — pode-se constatar que, assim como ocorre com o pôr do sol, existe também no nosso entardecer uma serena e crepuscular beleza a apreciar — se a vista já não estiver cansada e as lentes embaçadas.

O Globo, 29/11/2017