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Uma situação de ruptura

 

A radicalização da política brasileira teve seu ápice até agora com o ataque sofrido ontem pelo candidato à presidência da República Jair Bolsonaro, que lidera a corrida eleitoral quando o quadro real é apresentado ao eleitor, sem a presença de Lula por decisão da justiça eleitoral. É uma situação de ruptura que se agrava pela crise econômica e social do pais.

Temos presenciado nos últimos tempos radicalizações diversas de ambos os extremos em luta pelo poder. A caravana de Lula foi atingida por tiros, o acampamento em Curitiba, depois de sua prisão, foi atacado por adversários políticos. No outro extremo, Jair Bolsonaro, que cansou de estimular a população a se armar, e chegou a ensinar uma criança a atirar, acabou atingido por um radicalismo aparentemente de fundo religioso, uma novidade perversa na disputa política brasileira.

A divisão da sociedade por Lula entre “nós”, os que são a favor do povo, e “eles”, os adversários, definidos não por questões ideológicas, mas interesses eleitoreiros, levou o país a uma radicalização que desmente a fama do brasileiro cordial, conceito definido pelo historiador Sérgio Buarque de Hollanda no sentido de passional, mas deturpado popularmente por uma cortesia que a cada vez mais é desmentida pela realidade da violência nossa de cada dia em todos os setores da sociedade, sem distinção de ricos e pobres, de quem é a favor ou contra o povo, como se fosse possível existir só pessoas boas de um lado e más do outro.

Desde as manifestações de 2013, o ano que, tal como definiu Zuenir Ventura o de 1968, não terminou, o país vive essa tensão latente que fez desabrochar uma direita extremista para se contrapor a uma esquerda radical. Sem Lula na disputa presidencial por determinação da Justiça, por ter sido condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, o seu oposto Bolsonaro, que cultiva a imagem de anti-Lula, aparece como a solução rápida dos problemas do país.

Assim como a saudade de Lula leva milhões de brasileiros a sonharem com um país que só existiu por breve período e em bases precárias, outros tantos acreditam que somente alguém como Bolsonaro pode dar jeito na situação. Os dois são salvadores da Pátria a seu jeito, e agora, esfaqueado e em grave situação, Bolsonaro iguala-se a Lula como martirizado na visão de seus eleitores, Lula preso injustamente para não fazer um governo a favor do povo, e Bolsonaro esfaqueado porque é o homem providencial que resolveria os problemas do país.

Cada qual a seu jeito manipula a opinião pública com estilos populistas de fazer política, e agora se colocam na mesma situação de isolados pelas “forças do mal” e mártires devido à defesa dos pobres e desvalidos, um da cadeia, outro do hospital.

O debate político deixará de girar em torno das últimas tentativas vãs de Lula de concorrer à presidência da República e passará a se centralizar na situação física de Bolsonaro, que dificilmente terá condições de prosseguir na campanha eleitoral.

O que, se de um lado reduz sua movimentação, amplia a capacidade de proselitismo. A pesquisa do DataFolha que será divulgada na segunda-feira pode já captar os primeiros movimentos em consequência do atentado ao candidato do PSL, no mesmo momento em que o PT terá que decidir quem substituirá Lula na urna eletrônica.

O ex-prefeito Fernando Haddad, o substituto previsível, sofre resistências dentro do próprio PT, e agora deverá ter essa pressão aumentada porque é considerado “ruim de voto”. A comoção provocada pelo atentado a Bolsonaro poderá destampar um sentimento que domina parte importante da população, e pode reforçar no imaginário popular o papel de vingador de Bolsonaro, esvaziando a influência de Lula nas classes menos favorecidas.

A estratégia do PT talvez tenha que mudar, colocando na chapa um politico mais popular como Jaques Wagner, ex-governador baiano, em detrimento de Haddad, que Lula considerava ter “cara de tucano”, o que foi apropriado para uma disputa na capital paulista mas pode ser insuficiente numa disputa nacional com um adversário populista que aglutinou o sentimento anti-PT.

O Globo, 07/09/2018