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Uma agressão à liberdade

 

A literatura infantojuvenil está sendo vítima de patrulhamento ideológico, liderado por pais que querem se meter na chamada liberdade de cátedra, que é um dispositivo constitucional. No Colégio Santo Agostinho não foi só o caso de Ana Maria Machado. Com o argumento de que lá se doutrinam crianças com ideologia comunista, alguns pais pediram, também, que fosse retirado do currículo o livro “Meninos sem pátria”, de Luís Puntel, editado em 1981, e adotado há muitos anos pela mencionada escola. É um momento extremamente grave para a cultura brasileira.

O fato foi analisado pela Academia Brasileira de Letras. Quando uma criança come uma maçã para entrar no mundo poético — e isso vira apologia ao suicídio —, devemos pensar até onde está se agredindo a liberdade artística e se prejudica a força da criação. A autora, a editora Global e a Academia Brasileira de Letras não concordam com a interpretação dada pela escola: “A ficção requer interpretação. Não se pode ler tudo ao pé da letra. Agindo assim, teremos que reescrever toda a história da literatura infantojuvenil universal”.

Vejam o exemplo de “A bela adormecida”, que inspirou Walt Disney a produzir um dos mais belos musicais da história do cinema. Aquele beijo que acorda a princesa adormecida não foi, nem poderia ter sido, consentido. Como refazer esse clássico?

Vez por outra, enfrentamos esse tipo de movimento, de natureza racista. Em 2010, nem Monteiro Lobato escapou da decisão equivocada do Conselho Nacional de Educação, proibindo a circulação de “Caçadas de Pedrinho”. Censurar o maior dos nossos autores, como Monteiro Lobato, é uma agressão à cultura nacional, como agora se quer fazer também com Ana Maria Machado. Lavro aqui o meu protesto.

O Globo, 11/10/2018