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Um verão de muitos medos

 

O mês ainda não terminou, e a violência no Rio já fez um número recorde de vítimas: 105 baleadas e 63 mortas a tiro. A mais recente foi a estudante Larissa Isídio da Silva, de 21 anos, atingida por uma bala no abdômen disparada por assaltantes em fuga. Ela curtia o domingo de sol na Praia da Reserva, na Zona Oeste. Felizmente, está se recuperando.

Uma semana antes, Michelle Nascimento, de 33 anos, grávida de oito meses, foi baleada na cabeça durante um assalto em Belford Roxo. Ela passa relativamente bem, mas é grave o estado do bebê, nascido de uma cesariana de emergência. O ano promete.

Houve um tempo em que cada verão carioca era conhecido pelo apelido que lhe dava a imprensa. Na virada de 1969/70 foi o das “Dunas do Barato” ou das “Dunas da Gal”. O de 1979/80, o da “abertura” ou da “tanga de crochê do Gabeira”. O de 1987, o da “lata”, porque 18 delas, parecidas com as de leite em pó, surgiram boiando junto às praias da Zona Sul, cada uma contendo 1,5kg de maconha.

Se ainda fosse moda, a atual estação poderia ser chamada de “verão do medo”, ou dos medos, já que são despertados não apenas pelas ocorrências habituais de violência — assaltos, arrastões, balas perdidas, assassinatos — mas também por novas motivações, uma das quais, a febre amarela, parecia erradicada há mais de cem anos.

Além desse medo antigo e de outros mais recentes — de dengue, chicungunha e zika —, este verão inaugurou um temor moderno, do qual nos considerávamos livres. Quando víamos as imagens daqueles ataques terroristas com veículos lançados contra multidões, dizíamos: “pelo menos isso não acontece aqui”. E dávamos graças por não sermos cidade-alvo do terror, como Paris, Londres, Barcelona, Estocolmo, Nova York, entre outras.

No dia seguinte a um desses atentados, e ainda impressionado com o que vira na televisão, eu fazia minha caminhada matinal pela orla de Ipanema quando fui assaltado por uma incômoda ideia (no Rio, até as ideias assaltam). É que, vendo carros e motos “voando” a mais de 100km/h em direção ao Centro, não consegui deixar de pensar no que aconteceria se algum motorista perdesse o controle da direção.

Naquela manhã, fiquei achando que meu medo estava virando paranoia. Mal sabia que ele se tornaria uma trágica realidade na Praia de Copacabana, quando um irresponsável que não podia estar dirigindo jogou o carro contra 18 pessoas, matando um bebê de oito meses e inaugurando a nova ameaça entre tantas deste verão.

Em 1980, Caetano cantava o “calor que provoca arrepio”. Hoje o arrepio é de medo.

O Globo, 24/01/2018