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Trans é pop, tá na Globo

 

Até há pouco, o tema era tabu. De repente, apareceu como série no GNT, foi conversa do Bial, novidade da novela “A força do querer” e livro, “Vidas trans — a coragem de existir”, de quatro ilustres representantes do gênero, ou melhor, do transgênero. Se, mesmo assim, você ainda não sabe o que significa, aí vai o que aprendi: trans é o indivíduo que se identifica com um gênero diferente daquele de nascença. É a pessoa que veio ao mundo com características físicas masculinas, mas se sente psicologicamente mulher. Ou vice-versa. Mas não se trata de distúrbio, muito menos de patologia. É uma condição normal, que reivindica respeito e inclusão social.

Estive na concorrida noite de autógrafos em que os autores se apresentaram à plateia que superlotava a Blooks nesta última terça-feira. Amara Moira, travesti, bissexual, feminista, especialista em James Joyce, está prestes a concluir o doutorado em crítica e teoria literária pela Unicamp. Márcia Rocha, nascida Marcos César, é advogada, travesti, pós-graduada, integrante da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-SP e membro da World Association for Sexual Health. T. Brant, que era Teresa, 24 anos, é modelo, estudante de interpretação e poeta. João W. Nery, 67 anos, é o pioneiro do grupo. Em 1977, durante a ditadura militar, foi o primeiro homem trans a ser operado no Brasil. Ativista dos direitos humanos, psicólogo, é autor também do livro “Viagem solitária”, que inspirou Glória Perez a incorporar o tema em “A força do querer”, por meio da jovem personagem insatisfeita com seu corpo e incompreendida pela mãe. Ele também deu nome à “Lei João Nery”, que, após aprovada, vai garantir a mudança oficial do nome de registro em documentos de identidade, certidão de nascimento etc.

E o que eu, um cis convicto, isto é, um não trans, estava fazendo lá na livraria? É que Mary, minha mulher, foi a primeira jornalista a entrevistar João, há 40 anos, quando ele, se preparando para as modificações cirúrgicas a que ia se submeter, exerceu atividades de homem (trabalhou numa pedreira, por exemplo) para deixar de ser Márcia, transformar-se em Pablo e finalmente em João. Na sua fala, ele fez uma homenagem a Mary, chamando-a de “minha madrinha” e eu, por tabela, de “padrinho”.

Mais do que um lançamento, foi uma celebração da diversidade sexual pelos palestrantes e ouvintes. Numa cidade onde até bebês são atingidos por bala perdida antes de nascer, foi um animado parêntesis aquela alegre reunião que incluía pais, mães e outros familiares de trans satisfeitos/as e bem resolvidos/as por terem assumido a nova identidade, com ou sem cirurgias.

O Globo, 08/07/2017