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Sempre pode piorar

 

Para os que achavam que este começo de ano não podia ser pior para o carioca, vindo de um mês de dieta de água turva, gosto de barro e cheiro ruim, a Cedae nos reservara mais uma desagradável surpresa: anteontem à noite, comunicou que suspendera o funcionamento da Estação de Tratamento do Guandu, que abastece a Região Metropolitana do Rio, por ter identificado a presença de detergentes na água captada. Depois da geosmina, era a vez do detergente não degradável levado pelo temporal, que também fez a sua parte na Baixada Fluminense, causando uma morte e nove feridos.

A companhia pedia aos clientes que passassem a usar água de “forma equilibrada e adiassem tarefas que exigem grande consumo”. E avisava que o abastecimento seria retomado assim que o problema fosse solucionado, sem se saber quando. Em outras palavras, haveria um não declarado racionamento.

Nunca pensei que fosse viver para ver o que o carioca tem sofrido com esta crise sem precedentes, cujos transtornos para a população o próprio governador classificou de “inadmissíveis”. E ele não viu o pior, já que, no auge da crise, estava em Orlando, nos Estados Unidos. E só deu o ar de sua graça no dia 14 de janeiro, isto é, 12 dias após os primeiros relatos do problema.

Os especialistas se preocuparam antes das autoridades.

O infectologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro Edmilson Migowski, por exemplo, advertiu assim que se perceberam os primeiros sinais de anormalidade: “Uma água que tem cor, sabor e cheiro não é própria para o consumo humano. Não deve ser bebida nem usada na preparação de alimentos”.

Como eu, muitos acreditavam que a fervura resolvia o problema. Migowski diz que não: “Quando fervida pode matar vírus, bactérias e protozoários. Mas isso não tira as impurezas. E se houver produtos químicos, a fervura não vai ser suficiente para melhorar a qualidade”.

Parece que o único “remédio” sem contraindicação é a água mineral, isso se os estoques resistirem à crescente demanda. A repórter Giselle Ouchana descobriu que não são mais só cadernos, livros, lápis e canetas que os alunos devem levar na mochila: “Escolas particulares do Rio têm pedido que alunos providenciem a própria água”.

O Globo, 04/02/2020