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Reinventar a velhice

 

Reinventamos tantas coisas, porque a imaginação ama a vida e a vida ama a imaginação. Com a longevidade e o progresso da ciência, adiamos a morte no possível. 

Vai diminuindo, aos poucos, certo preconceito contra os velhos, a ditadura da mocidade, porque a idade já pesa menos e a alegria não pode faltar, a felicidade de resistir aos percalços. Apesar de queimar com suas chamas.

A geada dos cabelos só diz da sabedoria que desce dos montes de existir, a sensibilidade se aprimorou, a inteligência como o vinho de boa casta tornou-se de mais pura degustação, o espanto de ainda destilar o orvalho da paciência. E a paciência se adiantar sem pressa na esperança.

Devemos reinventar a velhice. Inda que o corpo se canse, a alma esta mais vigorosa, experiente. O que se aprendeu antes, volta-se a aprender depois, aprender das limites, aprender de levar o tempo, olhando a eternidade.

Porque de ver, conhecemos uma outra infância. A dos filhos e a dos velhos. Isso nos prolonga.
 
Ou nos civiliza e nos faz mais humanos. Não há depressão no prazer de ler, de criar, de pesquisar.
Ou desdobrar os sonhos na partilha do coração. Com o rosto da amada que nos acompanha nas estações, ou no acumular dos frutos.

Envelhecer, servindo, sendo valioso, com a praticidade que cada dia concede, o gozo de ainda apreciar o amanhecer, pois disso nos agraciamos. Onde a natureza se inaugura, somos inaugurados, enlaçados em beleza. Tal se fôssemos partes do clarão.

E não há envelhar do espírito, se a palavra se armazena em juventude. Ou nos arrebata na justiça. Porque nela contemplamos Deus e Deus nos contempla. E nos completamos, contentes, com a venturosa saudade do futuro.

A Tribuna (ES), 20/08/2017