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Princípios da liberdade

 

Clássico de Benjamin Constant discute formas de governo que garantam direitos civis


A editora Topbooks, em convênio com o Liberty Fund, tem publicado clássicos do pensamento liberal e, entre os livros já editados, saliento “Os deveres do homem e do cidadão”, de Samuel Pufendorf; “Política”, de Johannes Althusius; “História como história da liberdade”, de Benedetto Croce; “Sobre a História e outros ensaios”, de Michael Oakeshott e “A crise do século XVII — Religião, a reforma e a mudança social”, de Hugh Trevor-Roper. Dois outros têm particular importância para os brasileiros. Refiro-me aos “Princípios de política aplicáveis a todos os governos”, de Benjamin Constant, e “A história das origens do governo representativo na Europa”, de François Guizot, que acaba de sair.


Constant na trindade dos grandes pensadores liberais


Constant e Guizot foram os principais componentes do grupo chamado de “doutrinários”, que Victor Hugo também chamou de liberais conservadores, ao mesmo tempo herdeiros e críticos da Revolução Francesa. Um ex-aluno de Guizot, Aléxis de Tocqueville completou com eles, e com maior brilho, a trindade dos mais influentes entre os (poucos) pensadores liberais franceses do século XIX. Limito meus comentários ao autor dos “Princípios de política”.


Benjamin Constant (17671830), suíço naturalizado francês, centrou sua obra e ação política em torno do problema de como proteger a liberdade dos indivíduos em face do despotismo do Antigo Regime e da tirania das massas trazidas à cena política pela Revolução. Os princípios gerais de seu pensamento foram expostos na edição de 1810 dos “Princípios de política”, agora traduzida. Em 1815, publicou versão mais concisa em que se concentrou em formular uma  engenharia constitucional capaz de garantir o funcionamento de um governo em que a liberdade fosse protegida.


No Brasil, suas idéias constitucionais foram incorporadas à Carta de 1824, artigo 98, que dizia: “O Poder Moderador é a chave de toda a organização política”. Esse quarto poder não era outro senão o que Constant chamava de Poder Real ou Poder Neutro. Guizot viu no fato motivo de elogio ao publicista e Euclides da Cunha dele se serviu para afirmar que fomos a única nacionalidade feita por uma teoria política. O debate sobre o Poder Moderador, sobre suas virtudes e vícios, percorreu todo o Segundo Reinado.


Constant foi lido e citado por nossos melhores constitucionalistas, bastando mencionar Pimenta Bueno, Brás Florentino, Zacarias de Góis, Uruguai, Tobias Barreto. A discussão entrou República adentro. Borges de Medeiros propôs a recriação, em novos termos, do Poder Moderador, quando se discutia a elaboração da Constituição de 1934. Foi a admiração pelo pensador francês que levou o pai de um dos fundadores de nossa República a dar ao filho o nome de Benjamin Constant.


Pode-se dizer que o tema da composição dos poderes políticos de modo a garantir, de um lado, o exercício do governo e, de outro, o exercício das liberdades civis nos persegue até hoje. A relação complexa entre liberdade e autoridade, entre direitos políticos e direitos civis, entre liberalismo e democracia, continua a desafiar pensadores e políticos. Visita a autores como Benjamin Constant ainda é fonte de inspiração, sobretudo se nos lembrarmos de que sua preocupação fundamental era a preservação da liberdade.


Em outro ensaio clássico, uma conferência proferida em 1819, cujas bases já tinham sido assentadas nos “Princípios de política” de 1910, ele estabeleceu a distinção entre a liberdade dos antigos e a dos modernos. A liberdade dos modernos era a dos cidadãos das complexas sociedades de mercado que não dispunham de condições para praticarem a democracia direta, como o faziam os atenienses livres.


Representação, o calcanhar de Aquiles da democracia


A liberdade dos modernos, afirmou Constant, dependia da organização dos poderes e da representação política. Mas percebeu com clareza que se a representação era uma solução, criava, ao mesmo tempo, um grande problema, o problema de fazer com que os representantes de fato representassem seus constituintes. Qualquer observador de nossa política, por mais superficial que seja, verifica que a representação, exigência da liberdade dos modernos, é o calcanhar de Aquiles de nossa democracia política. As preocupações de Constant permanecem constantes em nossa agenda política. Por isso, é um grande serviço ao debate político a publicação de Benjamin Constant e de outros clássicos do pensamento ocidental.


O Globo (RJ) 2/8/2008