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Pequenos avanços

 

Independente do sistema eleitoral que venha a ser aprovado (ou não) pela Câmara, uma coisa é certa: os deputados, finalmente, entenderam que a opinião pública não aguenta mais ser ludibriada. A decisão unânime (se não contarmos o gaiato que votou a favor) de retirar o percentual do 0,5% da receita líquida para definição do fundo de financiamento das eleições dá a dimensão desse entendimento, e torna praticamente impossível que haja um golpe na Comissão de Orçamento para fixar os mesmos R$ 3,6 bilhões ou mais o tamanho do Fundo.

Essa hipótese foi levantada por vários deputados, que temem que a existência do Fundo sem um valor previamente fixado seja um cheque em branco para a Comissão de Orçamento. Não creio que essa teoria da conspiração tenha base na realidade, pois para fixar o valor do Fundo será preciso enquadrá-lo no teto de gastos e adaptá-lo ao Orçamento, o que quer dizer que verbas terão que ser remanejadas.

Os parlamentares se verão diante da árdua tarefa de tirar verbas de saúde, educação, investimentos públicos no já escasso Orçamento da União para prover suas necessidades nas campanhas eleitorais. Não será uma tarefa fácil enganar o cidadão desta maneira e ainda querer ganhar seu voto em 2018.

Outro dado interessante que saiu da sessão de ontem da Câmara foi a discussão sobre o sistema eleitoral. Pelo visto, não há votos suficientes para aprovar uma emenda constitucional mudando o atual sistema proporcional, nem para aprovar o distritão, muito menos o distritão misto ou o distrital misto para 2022.

Tudo parece encaminhar para a manutenção do sistema proporcional com as alterações que foram aprovadas em outra comissão especial, a cláusula de desempenho e o fim das coligações proporcionais. A discussão vai se dar em torno das medidas paliativas que foram incluídas no texto para preservar o máximo possível as pequenas legendas, não apenas aquelas tradicionais e programáticas como o PC do B ou o PSOL ou PV, mas a maior parte dos partidos nanicos que vivem do fundo partidário e do tempo de propaganda oficial no rádio e televisão como se fossem empreendimentos comerciais.

A invenção das federações partidárias é uma dessas jabuticabas que ajudarão a sobrevivência dessas legendas de aluguel, mas pelo menos tem a vantagem de obrigar os partidos que fazem parte dela a atuarem em conjunto durante toda a legislatura.

Isso garante pelo menos a coerência programática dessa federação, de modo que o voto do eleitor não será usurpado por uma legenda de tendência ideológica completamente diferente da sua.

O que tem que ser barrado no plenário são as subfederações regionais, que podem ser criadas por alguns dos partidos que fazem parte da federação nacional, mas com um detalhe que distorce tudo: no plano regional é permitido a esses partidos atuar sem ser em consonância com a orientação da federação.

Ora, nesse caso estarão de volta no plano regional os efeitos maléficos das coligações proporcionais, com suas distorções programáticas. Esses penduricalhos foram criados, conforme, aliás, confessou candidamente a relatora do projeto, a deputada acreana Sheridan, para que a maioria dos partidos possa passar pelas cláusulas de desempenho que serão exigidas.

O início da limitação dos partidos será com um sarrafo bastante baixo de 1,5% dos votos nacionais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação, com mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas, ou eleger pelo menos 9 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação.

Para a eleição de 2022 a exigência passará a ser de 2% dos votos válidos, em pelo menos um terço das unidades da federação, com mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas ou eleger pelo menos 11 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação. Em 2026 a exigência passa a ser 2,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação, com mínimo de 1,5% dos votos válidos em cada uma delas; ou eleger pelo menos 13 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação.

Até que em 2030 a cláusula de desempenho passará a ser de 3% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação, com mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas; ou eleger pelo menos 15 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação. O importante é que os partidos que não atingirem as metas não terão direito nem ao Fundo Partidário nem ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e televisão. Funcionarão na Câmara e no Senado com restrições, não podendo participar de comissões, por exemplo.

O Globo, 24/08/2017