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O que seria de mim sem elas?

 

Um pouco atrasado, aproveito o Dia da Mulher para lembrar a triste realidade no país da condição feminina, que, apesar dos avanços, é vítima de várias formas de violência e até de crimes, alguns hediondos: estupro, exploração sexual, agressões por parceiros e parentes, assédio. As estatísticas são assombrosas: cinco espancamentos a cada dois minutos, um estupro de 11 em 11 minutos, um feminicídio a cada 90 minutos, 179 relatos de agressão por dia e assim por diante. Só esta semana no Rio três jovens senhoras, duas grávidas, foram assassinadas.

Aproveito também para homenageá-las pela importância que tiveram em cada etapa de minha vida, desde a parteira, que foi a primeira a me pegar no colo, até aquela que Maria Ribeiro chamou em sua crônica de “a mítica Mary”, que há 55 anos domina coração e mente deste cronista. Aliás, nasci, cresci e até hoje vivo cercado pelo afeto de esposa, filha, irmã, nora, afilhadas e sobrinhas, além das indispensáveis amigas. Duvido que alguém da minha idade as tenha tanto em quantidade e qualidade, a ponto de poder confessar que alguns de meus melhores amigos são amigas.

O meu altar de admirações está repleto delas, de todas as idades. Lá no alto, a decana, uma jovem de 102 anos, Cleonice Berardinelli, a Divina Cleo, que abriu para mim as portas do mundo encantado de Camões e de Pessoa na antiga Faculdade Nacional de Filosofia. Na outra ponta, está Alice, minha paixão de 8 anos. No meio, como companheiras de viagem, há representantes de várias faixas etárias.

Sou de uma geração preconceituosa, que cultivava estereótipos e que até hoje, quando elogia, ofende, e quando quer agradar é indelicada. Apenas dois exemplos. O de Temer exaltando como virtudes femininas o papel subalterno e submisso da mulher. E o de Lula pedindo ajuda a um ministro: “Cadê as mulheres de grelo duro do nosso partido?”.

Por outro lado, há um fundamentalismo feminista. Tempos atrás, ao comentar sobre a bunda de uma atriz, elogiando-a, fui chamado de machista por dar uma opinião estética num assunto que já era notícia na imprensa. Fico pensando o que diriam do Drummond do poema “A bunda, que engraçada”. Vejam alguns versos:

“Está sempre sorrindo, nunca é trágica/ Não lhe importa o que vai/pela frente do corpo./ A bunda basta-se./ Existe algo mais? Talvez os seios / Ora — murmura a bunda — esses garotos/ainda lhes falta muito que estudar (...) Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz/ na carícia de ser e balançar. (...)/ A bunda é a bunda,/Redunda”.

Esse é o antídoto deixado pelo grande poeta contra o fundamentalismo, que não é bom nem quando defende uma boa causa, como o feminismo. Não combina, não passa de uma rima — pobre e sem graça.

O Globo, 14/03/2018