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O papel do advogado

 

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) está lançando Advocacia Hoje, uma revista digital a ser distribuída trimestralmente por e-mail e Whatsapp, que, segundo o presidente-executivo da OAB editora, José Roberto Castro Neves, pretende abrir espaço para uma forma mais direta de comunicação com seus filiados, um universo de aproximadamente 1,3 milhão de advogados e 1 milhão de estudantes de Direito.

A revista homenageará sempre um advogado, a começar por Rui Barbosa, com a imagem modernizada para ressaltar a atualidade de seus pensamentos. Entre os textos estão “Advocacia Hoje”, do Presidente da OAB, Felipe de Santa Cruz, sobre os desafios e conquistas da advocacia; Direito Constitucional; Marcus Vinicius Furtado Coelho; Direito Tributário; Luiz Gustavo Bichara; Direito Comercial/Societário Marcelo Trindade; Direito, Literatura e Filosofia Tércio Sampaio Ferraz Júnior; “Nós, os advogados, por eles, os juízes” Luís Roberto Barroso.

 Fui convidado para inaugurar uma seção que terá sempre um profissional de fora da área jurídica falando sobre “o papel do advogado”. Segue a transcrição: 

“Assim como a imprensa nasceu para dar voz à sociedade civil para se contrapor à força do Estado absolutista, e legitimar suas reivindicações no campo político, o ordenamento jurídico surgiu da necessidade de organizar as sociedades em torno de decisões pactuadas, e defender os direitos individuais, impondo limites à força dos poderosos.

A semelhança dos desígnios das duas instituições, Imprensa e Direito, é refletida em comentários de duas figuras históricas, o americano Thomas Jefferson e o brasileiro Rui Barbosa, fundamentais para seus países. Para Jefferson, a liberdade legítima é limitada por igual direito dos outros.

Para Rui, é fundamental “não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínios a estes contra aqueles”. Sobre a imprensa, os dois também têm visão semelhante.

Para Rui Barbosa, a imprensa é a vista da nação. “Através dela, acompanha o que se passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que ameaça”.

O presidente americano Thomas Jefferson entendeu que a imprensa, tal como um cão de guarda, deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar. “Se me coubesse decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a última solução”, escreveu ele.

No sistema democrático, a representação é fundamental, e a legitimidade da representação depende muito da informação. O papel dos advogados numa democracia é, portanto, relevante como suporte de uma sociedade equânime.

Pesquisas promovidas pela Associação de Magistrados do Brasil (AMB), em 1995 e ano passado, revelam a evolução das prioridades da corporação, mais focada nos direitos individuais e liberdade de expressão na década posterior à redemocratização do país, mais empenhada hoje em combater os desvios do poder e a atender aos anseios de Justiça da coletividade.

Essa contemporaneidade das aspirações dos magistrados reflete a contínua relevância do papel dos advogados, que é historicamente o de proteger o cidadão da força e da injustiça.

Por isso, a independência do jurista na relação com o Poder é fundamental para Rui Barbosa, segundo quem uma “justiça militante” se baseia em “não transfugir da legalidade para a violência”; não “quebrar da verdade ante o poder”; não colaborar em “perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniqüidade ou imoralidade”.

Em O Dever do Advogado, Rui Barbosa define a ordem legal em duas facetas: a acusação e defesa, e parece estar falando dos dias de hoje, quando o radicalismo político confunde o exercício da profissão com aval a esta ou àquela posição. Esta, a defesa, “não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira.”, diz Rui.

Para ele, cabe ao advogado ser “voz do Direito” em meio à paixão pública: “Tem a missão sagrada, nesses casos, de não consentir que a indignação degenere em ferocidade e a expiação jurídica em extermínio cruel.”

A atualidade das palavras de Rui Barbosa torna sua presença na história brasileira cada vez mais influente, a ponto de ter sido um dos mais citados na pesquisa da AMB como referência dos atuais magistrados.

 Sua estátua, mandada erigir pelo Centro Acadêmico XI de agosto da faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo continua simbólica de uma visão de Direito que dá aos advogados papel fundamental na vida pública de uma democracia.”

O Globo, 09/06/2019