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Não disse a que veio

 

O último domingo de inverno na Cidade Maravilhosa amanheceu em clima de guerra. Facções do tráfico impuseram o terror na Rocinha, interrompendo o trânsito no Túnel Zuzu Angel e na Autoestrada Lagoa-Barra, rota de parte das cem mil pessoas que à noite iriam a um dos mais famosos festivais de música do mundo, o Rock in Rio. No dia seguinte, três mil alunos estavam sem aulas, lojas e postos de saúde fechados, e tiros eram ouvidos. Mas não pelas autoridades. Só ontem o secretário de Segurança, Roberto Sá, admitiu a falha da polícia.

Não houve racha apenas entre os traficantes. Também os responsáveis pela manutenção da ordem pública em geral revelaram suas divergências: o Comando Militar do Leste alegou falta de recursos para justificar sua inoperância, e o Ministério da Defesa, a quem as Forças Armadas estão subordinadas, contestou a versão. “Não faltou e não faltará verba para as ações”, garantiu o ministro Raul Jungmann. Então, por que as tropas do Exército não saem às ruas há quase um mês?

Em fins de julho, escrevi o artigo “Só não pode fracassar”, procurando refletir o estado de espírito da população, de esperança na intervenção federal em apoio à segurança no Rio. Jungmann era o primeiro a acreditar no sucesso, prometendo uma “assepsia” geral, ou seja, um combate em várias frentes ao crime organizado, ao tráfico de drogas e armas, à lavagem de dinheiro. Como constatara que todas as instituições públicas haviam sido capturadas pelo crime, ele afirmava: “É preciso pegar a cadeia de comando para poder de fato ajudar a mudar a sensação de insegurança”.

Cerca de dois meses depois, essa sensação de insegurança é ainda pior porque a ela se junta a frustração com o resultado medíocre das três grandes operações realizadas em conjunto. Na primeira e maior delas, a Onerat, um efetivo de quase cinco mil homens fez 15 prisões, apreendeu três pistolas e duas granadas, e não encontrou um fuzil sequer. Uma boa qualidade deles estava com os bandidos da Rocinha, cujo poderio bélico assustou inclusive os soldados da PM (em vídeo, um deles aconselha: “se esconde aí, rapaziada. São mais de 20 com fuzis”). O ministro da Defesa acabou admitindo que há problemas na relação com a Secretaria de Segurança do Rio. “Um certo desconforto é inegável, mas nós vamos sentar, vamos analisar, ajustar e não vamos desistir, nós não vamos sair do Rio de Janeiro”. E anunciou que vai propor à nova procuradora-geral da República uma força-tarefa especial para enfrentar o “Estado paralelo”. Ela seria integrada pelo Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal, com delegados, juízes e procuradores “dedicados ao Rio de Janeiro”.

Tomara que dê certo, porque o Exército ainda não disse a que veio.

O Globo, 20/09/2017