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Moscou ou Moscovo? - Conclusão

 

No já citado capítulo 'Nomes próprios geográficos', inserido nas  Dificuldades da Língua Portuguesa, mestre Said Ali, na qualidade de linguista  e de professor de geografia, defende a tese de que só as curruptelas e aportuguesamentos que se insinuaram na língua e nela se implantaram e ainda hoje persistem consagrados pelo uso geral  é que  lograrão viver para o futuro.

Isto, referindo a nomes de localidades, mostra quais sejam as exceções à seguinte regra  internacional: "Os nomes próprios geográficos das nações que, na sua escritura, empregam os caracteres latinos (quer os redondos, quer os chamados góticos ) serão escritos com a ortografia de seus países de origem. Escrevemos Londres (e não London), mas Wight, Windsor; Liverpool;Florença (e não Firenze), Milão (e não Milano), mas Fiesoli, Civitàvecchia, Chioggia; Marselha, mas Toulon, St.Etienne; Viena (e não Wien), mas Koniggratz, Reichenberg"(p.161).

Está claro que neste princípio internacional se incluem também os nomes geográficos de origem grega, porque, como sabemos, são nomes que se transcrevem, segundo certos princípios, por meio de caracteres latinos.

É certo que dificuldades, neste campo, não terminam aqui, ao adaptar nomes originários de línguas com que povos latinos pouco lidam. Said Ali lembra casos de localidades escandinavas escritas com letras inexistentes em nosso alfabeto. Por issso, somos levados a errôneas pronúncias; mas, segundo ele, são situações provisórias que vão melhorar " quando melhor soubermos tornar acessíveis aos estudantes de geografia as particularidades de escrita e pronúncia dessas interessantes línguas com que atualmente pouco lidamos" (p.161)

A situação fica mais complicada quando os nomes de localidades pertencem a língua que não utiliza os caracteres latinos. É o que ocorre com os nomes russos ou com aqueles originários da Ásia e da África. Neste caso, o princípio internacional é tomar por base a pronúncia local ou da língua oficial do respectivo Estado, adaptando-as aos princípios e possibilidades de transcrição permitidos pelo nosso sistema ortográfico, excetuados aqueles nomes impostos por aportuguesamento de longa data. Este princípio praticado pelo português é seguido pelas línguas europeias de cultura do mundo moderno, principalmente pelo inglês, francês, alemão e italiano.

Neste ponto, Said Ali discorda de propostas muito pessoais de Gonçalves Viana. O mestre brasileiro acreditava que se poria fim  a uma diversidade de grafia adotando-se a proposta uniformizadora de Richthofen, que consistia no emprego do 'sh' e 'tsh' para representar os fonemas /x/ e /ts/  que os alemães escrevem 'sch' e 'tsch' (ing.'sh' e 'ch' ; francês 'ch' e 'tch') . O mestre lusitano apoiando-se num arcaísmo de pronúncia portuguesa, hoje vivo dialetalmente, recomendava o emprego, respectivamente de 'x' e 'ch' . Se adotássemos a proposta de Richthofen , todas as nações que se servem  do nosso alfabeto escreveriam sem exceção Shanghai e Tshungking; se adotássemos a recomendação de Gonçalves Viana, cada país insistiria ' em puxar brasa à sua sardinha" e, substituindo as três primeiras letras do primeiro nome e as quatro primeiras do segundo, o francês escreverá Cha-, Tchu- (ou Tchou); o italiano  em Scia-, Ciu, o português finalmente Xa-, Chu-,. Isto sem contar a multiplicidade de operações a que ipsofacto fica sujeita a parte restante daqueles nomes" (p.163).

E remata com muito bom senso Said Ali: " é certo que as línguas europeias, regulando-se cada qual pela ortografia que lhe é própria, pela cartilha 'de casa', facilita na escola dos países respectivos a pronúncia de nomes do Extremo Oriente. Longe de mim negar  igual direito à lingua portuguesa, mas neste caso competia-nos atender ao que se ensina em questão por 'ch' e 'tch' ou por 'x' e 'tx', e não como quer Viana(...). Em verdade não acredito que uma criança, ao ler a palavra 'Chad', jamais pronuncie 'Tchad', se não lhe ensinaram a dizer 'Tchina, tchá, tchuva por China, chá, chuva" (Ibid).

Gonçalves Viana e Said Ali, por caminhos diversos, procuraram ser fiéis a duas pronúncias diferentes de vocábulos cujas sílabas iniciais têm significados diferentes. Passados tantos anos, o nosso progresso -se houve-  consistiu em baralhar a semântica numa uniformização ortográfica. O, aliás, execelente Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (Coimbra , 1947) de outro mestre insigne, Rebelo Gonçalves, escreve os  dois vocábulos do nosso exemplo acima: Xangai e Xunquim.

O Dia (RJ), 30/10/2011