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Lógica e uso expressivo da língua

 

A indagação de nosso leitor sobre a correção  do uso de ‘erário público’ nos abriu a oportunidade de conversarmos um pouco sobre o logicismo em relação a expressões corretas e correntes na variedade formal do idioma e, por isso mesmo, abonadas pelos nossos melhores escritores, antigos e modernos.

A crítica nasce porque tais expressões carregadas de ênfase são analisadas exclusivamente pelas lentes de um logicismo  ditado pelo tradicional racionalismo, quando o idioma, criação e expressão de seus usuários, trabalha e espelha também outros recursos afetivos comuns à  dimensão da linguagem humana. A lógica não é o alicerce primário  da linguagem, e os seus  critérios não são suficientes para esclarecer e analisar as criações desse afetivo domínio idiomático. Um grande linguista já  disse que a língua não é lógica nem ilógica,mas se rege por lógica particular.

São usadas por escritores expressões que tais críticos condenam, como “sorriso nos lábios”;“certeza absoluta”; “metades iguais”; “outra alternativa”;  “amanhece o dia”; “gritar alto”; “todos foram unânimes”; “encarar de frente”;  “elo de ligação”,  “como, por exemplo”. Humberto de Campos,“O monstro e outros contos”: “De um arranco, pulando sobre o parapeito, estava ‘Catimbau’ escanchado no seu cavalo castanho, o sorriso nos lábios, um brilho estranho nos olhos...”; Antônio Olinto,“O menino e o trem”:“Quis saber como era, tinha um sorriso permanente nos lábios?”. Machado de Assis, “Relíquias de casa velha”: “Quer certeza absoluta? perguntei.”; Diná Silveira de Queirós, “A sereia verde”: “Tem certeza. Certeza  absoluta de que amanhã cairei em seus braços, inevitavelmente, logo que Luís partir...”; João Ubaldo Ribeiro, “O sorriso do lagarto”: “Tinha certeza, certeza absoluta de que João fora morto por obra de Ângelo Marcos, ao se descobrir enganado – não sabia como, mas fora.”

Dalton Trevisan, “Capitu sou eu”: “Depois, a blusa – duas metades certinhas de limão verde.” Aurélio de Lira Tavares, “Temas de nosso tempo”: “De qualquer forma, não há nenhuma outra alternativa para fazer face às dificuldades com as quais se defrontam, pelos mesmos motivos, todos os países consumidores de petróleo [...]”; Prado Júnior, “Formação do Brasil Contemporâneo”:“ Não havia aliás outra alternativa, que as condições econômicas e sociais da colônia não proporcionavam.”; Viana Moog,“Uma jangada para Ulisses”: “Dar-se-ia então o caso de que não me restasse outra alternativa senão cumprir a promessa da notícia...”.

Gustavo Barroso, “Alma sertaneja”: “Mal o dia amanheceu, preveniram o coronel que o Azulão estava ali [...]”; Lúcio de Mendonça,“Esboço e perfis”: “Aquele dia amanheceu, pois, para Ângelo às oito horas; mas que amanhecer luminoso!”. Afonso Arinos, “O mestre de Campos”: “Um deles, instintivamente, gritou com voz forte: –
Quem, vem lá?”; Monteiro Lobato, “Caçadas de Pedrinho”: “Súbito, o Visconde, que ia na frente de binóculo apontado, gritou com voz firme: – A onça!...”. Antônio Houaiss, “Sugestões para uma política da língua”: – Somos, pois, todos unânimes em reconhecer que  as diferenciações existentes entre o português do Brasil e o de Portugal, bem como as diferenciações  dialetais dentro do português do Brasil ou dentro do português de Portugal, não são bastantes para quebrar a unidade linguística comum[...]”.

Machado de Assis,“Iaiá Garcia”: “A primeira foi uma história da guerra, que deixou por mão, desde que encarou de frente o monte de documentos que teria de compulsar...”; Paulo Setúbal, “As maluquices do Imperador”: “A Inglaterra, sempre fria e utilitária, encarou de frente a situação. ”Machado de Assis,“ Contos Fluminenses”: “Não afirmo que entre as duas fases da existência de Luís Soares não houvesse algum elo de união...”.

O Dia (RJ), 27/11/2011