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Lenin, a ausência presente

 

A ausência mais presente na Rússia é a de Lenin. Está por toda parte, em frente ao estádio Lujiniki, palco da partida final da Copa do Mundo, nas estações de metrô, até o Rolls Royce que usava está em exibição no Museu Histórico. Mas as lembranças nada significam no país atual, são relíquias turísticas, não saudades do passado como a ausência presente pode significar.

O Partido Comunista da Rússia apresentou como candidato na eleição que reelegeu Putin com mais de 70% dos votos um empresário que fez questão de anunciar que não era comunista. Teve 12% dos votos, a menor votação na série histórica do PC.

O mausoléu que continua na Praça Vermelha é uma das atrações turísticas mais visitadas, pode-se passar horas na fila para ver o corpo embalsamado do líder revolucionário, que é tratado com um ritual especial que dá a sensação de que a figura de Lenin continua sendo reverenciada.

Não se pode falar dentro do mausoléu, cheguei a receber uma repreensão de um dos guardas porque esqueci da recomendação. Nada parecido, porém, com o que acontece ainda na China, no mausoléu de Mao, outro ditador embalsamado. O país, que ainda se diz comunista, reverencia o Grande Timoneiro a ponto de eu ter visto uma cena inusitada anos atrás: um grupo de rapazes, claramente do interior, faziam brincadeiras na fila, antes de entrarem no mausoléu, e simplesmente foram retirados e colocados “de castigo” pelo guarda de plantão.

Na Rússia, quase não há locais nas filas, dominadas pelos turistas, especialmente agora na Copa do Mundo. As flores são de pano, o governo russo volta e meia anuncia o custo da manutenção do mausoléu, como a insinuar que os milhões de rublos anuais poderiam ser gastos em outras coisas.

Desde o final da União Soviética há discussão sobre se o corpo de Lenin deve ou não ser enterrado. Embora a maioria seja a favor, não é uma maioria tão evidente que evite a polêmica, o que fez com que Boris Yeltsin desistisse de acabar com esse monumento, e que Putin o mantenha para não criar problema com a minoria que é a favor de sua permanência, não exatamente por ser comunista.

Pesquisas mostram que, ao contrário de Stálin - que também está enterrado no Kremlin, mas, do lado de fora - Lenin é visto com simpatia por boa parte dos russos. Os críticos dizem que o corpo embalsamado do líder soviético mais parece um boneco de cera, e é verdade, mas a técnica de conservação do corpo é uma das grandes demonstrações de avanço técnico do país, que já foi exportada para preservar os corpos de outros ditadores pelo mundo, como Ho Chi Mihn, do Vietnam do Norte, Kim II-Sung, e Kim Jong-II, da Coréia do Norte que copiaram a exibição dos soviéticos e receberam apoio técnico dos russos.

A vida de Lenin continua rendendo livros, o mais recente, do ano passado, publicado este mês no Brasil, é “Lenin, um relato íntimo”, de Victor Sebesteyen, que revela detalhes da vida íntima do líder revolucionário que definia que “a política é pessoal”. Desta biografia emergem as razões que fizeram com que o político russo Vladymir Ilyich Ulyanov se transformasse no revolucionário Lênin. Ao lado de seu fervor pela causa, foi levado por um desejo vingança contra o regime czarista.

Foi em Kazan, onde o Brasil jogará se passar pelo México, que Lenin estudou direito e tornou-se um radical depois de um episódio que marcaria sua vida: o irmão Alexander, que idolatrava, envolveu-se em conspirações contra o czar e acabou executado. Lenin, que até então não se envolvera em politica, aderiu a um grupo revolucionário na universidade de Kazan, até comandar a revolução que acabaria não apenas com o czarismo, mas com o czar Nicolau II e toda sua família, executados por sua ordem direta, fazendo o que seu irmão não conseguira.

O homem e o mito estão expostos na Praça Vermelha, transformados em relíquias enquanto, ao redor, ares capitalistas cultivam outro Vladimir, o próprio Putin, que tem sua cara estampada em camisetas e outras lembranças turísticas.

O Globo, 01/07/2018