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A (i)lógica dos votos

 

Derrotar Temer é ajudar a fortalecer a volta do petismo, como argumentam muitos apoiadores do governo? Ou será que é o contrário, apoiar Temer ajuda a aumentar a força de Lula? Lula e o PT acham que o melhor é manter Temer no Palácio do Planalto sangrando até o final, embora os parlamentares petistas finjam que querem o presidente da República fora do governo.

O deputado Silvio Costa fez um discurso inflamado acusando os oposicionistas que ajudaram a dar quorum para a sessão de votação de estarem fazendo uma simulação, pois no fundo estavam mesmo é querendo que o governo saísse vitorioso da eleição.

A votação de ontem dá algumas indicações interessantes sobre o comportamento de nossos políticos. Temer foi salvo principalmente com os votos de deputados do Nordeste, região na qual Lula lidera com folga as pesquisas.

Isto é, a maioria dos deputados não se guiou pela lógica do senador Renan Calheiros, que bateu em debandada há muito tempo para se posicionar ao lado de Lula, que tem uma popularidade muito alta no nordeste, em especial em Alagoas, onde os Calheiros tentam sobreviver politicamente.

Renan Filho vai tentar a reeleição para o governo do Estado, enquanto o pai só pode buscar a reeleição para o Senado, pois nem usar a Câmara para tentar manter o foro privilegiado está ao seu alcance pela legislação eleitoral. O filho governador aparece nas pesquisas com chance de se reeleger, enquanto o pai vai precisar muito de Lula no palanque para conseguir uma das duas vagas do Senado.

Seus colegas nordestinos, que em peso votaram com Temer, não acreditam no contágio da impopularidade. Ou então desistiram da reeleição. Já na região sul do país, onde o antipetismo é mais forte, a maioria dos deputados se guiou por outros valores que não o cálculo meramente político. Se empresários e outras lideranças defendem que mais importante que a questão moral é manter a governabilidade, a estabilidade política do país, não foi esse o pensamento da maioria dos deputados sulistas.

Eles entenderam que a saída de Michel Temer fortaleceria uma política em que os valores éticos se sobrepõem aos interesses imediatos, de acordo com o que as pesquisas revelam ser o desejo da maioria esmagadora dos brasileiros.

O PSDB, um partido que representa, ou representava, um eleitorado de opinião, não seguiu nenhuma direção, mas dividiu-se em grupos políticos. O do senador Aécio Neves, presidente afastado do partido, foi todo a favor de Temer, sem identificação regional majoritária, enquanto a oposição ao presidente também não teve característica regional, embora apenas um dos deputados paulistas tenha votado a favor do presidente. O senador Tasso Jereissati, presidente interino do partido até o final do ano, declarou que votaria pela continuidade do processo. 

Temer mostrou força com a vitória na Câmara, mas não significa ter garantido apoio para as reformas que pretende fazer. A matemática para definir o tamanho da sua força nas próximas votações é complicada, porque vários deputados que votaram com o governo são contra a reforma da Previdência. E todos do PSDB que foram contra o relatório do deputado Paulo Abi-Ackel devem ser a favor da reforma.

Da mesma maneira, o Centrão, que foi a base da vitória de Temer, não concorda com a reforma da Previdência da maneira como foi apresentada. Não é à toa que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia já começou a trabalhar ontem mesmo para reaglutinar o PSDB na base governista, pois não quer que o Palácio do Planalto fique refém do Centrão. Ao contrário, quer uma reforma da Previdência tão profunda quanto a primeira versão negociada.

Evidentemente, Temer ganhou força e deu uma respirada. Foi uma vitória política, por meios condenáveis e deploráveis, mas são os que existem para operar com esse Congresso. Foi a vitória da velha política, que se mantém operante e predominante no Congresso, apesar da luta contra a corrupção que vem fechando o cerco contra esse tipo de atividade política.   

O Globo, 04/08/2017