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A guerra de todo dia

 

‘Boa tarde, vovó”, disse o jovem para a velhinha numa pacata rua de Ipanema esta semana. Em seguida, arrancou-lhe brutalmente o cordão, arranhando o seu pescoço. O comparsa esperava na esquina, e os dois saíram calmamente para não chamar a atenção. Há dias, outra senhora, essa numa cadeira de rodas, sofreu a mesma violência. Uma amiga do Leblon também perdeu o cordão e teve o pescoço ferido, e esses não foram os únicos casos. Um sobrinho foi abordado perto de minha casa por um ladrão armado de faca, que anunciou sua intenção, digamos, seletiva: “Só me interessa o celular. Passa logo”. 

Fiquei sabendo então que há pelo menos duas gangues juvenis agindo por aqui, a dos cordões, que são arrancados também por ciclistas em ações rápidas, de grande destreza, e a dos celulares, por ordem do tráfico. São as atuais modalidades. Mas isso é só o varejo, existem outras formas piores. Também na Zona Sul do Rio se morre por bala perdida, por facada e, agora, por granada e até por ataque cardíaco, como aconteceu na quarta-feira no Morro Pavão-Pavaõzinho, em Copacabana. Era por volta do meio-dia, e o tiroteio não cessara desde a madrugada, uma cena de guerra num território teoricamente pacificado por uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Quem estava lá em cima não descia, quem estava no asfalto não subia. Os traficantes atiravam pedras, e os policiais armados de fuzis tentavam revidar com bombas de gás lacrimogêneo.

De repente, uma granada lançada pelos bandidos explodiu na frente de um bar, e os estilhaços atingiram quatro pessoas, entre as quais o zelador de um edifício da Rua Sá Ferreira que fora almoçar. Levados para o hospital, ele não resistiu aos ferimentos. Fábio de Alcântara, de 38 anos, era muito querido no prédio onde trabalhava há oito anos e na comunidade, onde morava, vindo do Maranhão. A outra vítima fatal foi Elisângela Gonçalves, de 39 anos, que sofreu um infarto em meio ao intenso tiroteio. Na véspera, ela já tinha passado mal durante outro confronto. No mesmo dia, na Rocinha, também com UPP, um adolescente de 16 anos foi morto durante um confronto. 

As autoridades não explicaram se o recrudescimento da violência nesses bairros tem a ver com o que acabam de descobrir em operação contra corrupção na PM, em que prenderam 66 policiais (outros 30 estão foragidos) de um batalhão, acusados de vários crimes, de sequestro a venda de drogas, e só de extorsão faturavam R$ 1 milhão por mês. A operação foi em São Gonçalo, no Estado do Rio, mas a pergunta é se uma investigação idêntica em batalhões aqui no município, com a ajuda de delação premiada, não levaria igualmente a resultado parecido. Infelizmente, sabe-se que a chamada “banda podre” não é uma invenção de São Gonçalo.

O Globo, 01/07/2017