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Fritura de alta pressão

 

O ministro Sergio Moro não acredita que o presidente Bolsonaro vá dividir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Por isso, considera inútil especular sobre o que acontecerá caso a ideia prospere. Se Bolsonaro quisesse mesmo reforçar a segurança pública, convidaria o próprio Sergio Moro para o novo ministério, e nomearia outro ministro da Justiça. (Nesta sexta-feira, o presidente da República recuou e afirmou que a chance de recriação do Ministério da Segurança é 'zero')

A criação do Ministério da Segurança Pública, como existia no governo Michel Temer, só tem sentido se abaixo dele ficar a Polícia Federal, que sairia então da Justiça. Nesse caso, se Moro aceitasse continuar no governo, ele ficaria sem os dois instrumentos básicos que imaginou quando propôs a Bolsonaro unir Justiça e Segurança Pública.

O Coaf — atual Unidade de Inteligência Financeira — já foi para o Banco Central, e a Polícia Federal iria para a nova pasta. Moro ficaria com os aspectos mais burocráticos do Ministério da Justiça, e com a Funai. Não há razão para retirar do Ministério da Justiça todos os encargos que ele ganhou quando se transformou, por decisão do próprio recém-eleito presidente, em superministério que combateria a corrupção e o crime organizado da mesma forma que teria como objetivo melhorar a segurança pública. Ainda mais com os resultados positivos obtidos, provocando a queda dos índices de criminalidade em todo o país.

O Congresso e o presidente Bolsonaro vêm se encarregando de esvaziar a ação do ministro Moro. Foi o Congresso que tirou o Coaf dele, assim como o juiz de garantias foi criado pelo Congresso, e sancionado pelo presidente Bolsonaro, mesmo com o parecer contrário de Moro.

Bolsonaro, ao mesmo tempo em que anunciou estar estudando reduzir o tamanho do ministério de Moro, deixou vazar informação de que já decidiu trocar o delegado Maurício Valeixo, chefe da Polícia Federal indicado pelo ministro da Justiça. Já tentou ano passado, mas naquela ocasião Moro conseguiu dissuadi-lo.

O fato é que, passado o primeiro ano de seu mandato, Bolsonaro está tendo que ajustar seus interesses pessoais às promessas da campanha. No início do governo, quando apresentou o projeto sobre flexibilização da posse e do porte de armas, estava sendo coerente, não houve surpresas, mesmo de quem criticou. Mas sua coerência não resistiu à irrealidade de suas promessas.

Prometeu que acabaria com a reeleição, e já pensa não apenas num segundo mandato, mas num terceiro. O combate à corrupção não poderia ter sido sua principal bandeira, pelo passado de ligações perigosas e outras atividades ilegais, como estão sendo reveladas pouco a pouco no processo contra seu filho, senador Flávio Bolsonaro.

Foi apenas uma peça de campanha. Começam a aparecer casos dentro do ministério que derrubam a tese de que, até agora, não existe nenhuma denúncia de corrupção no seu governo. Um irmão surge no cenário de Brasília como lobista bem recepcionado nos círculos do poder. O líder do governo, senador Fernando Bezerra, investigado pela Lava-Jato, permanece no cargo, assim como o secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, envolvido em denúncias de conflitos de interesses por ser sócio de uma empresa de comunicação que tem clientes de verbas publicitárias do governo que ele mesmo decide.

A percepção de corrupção no país, índice medido pela ONG Transparência Internacional, manteve a pior média histórica no primeiro ano de governo Bolsonaro. Se o ministro Sergio Moro, como dizem seus amigos, estiver certo, o presidente Bolsonaro está apenas ameaçando dividir o ministério para enfraquecê-lo, dando sequência ao processo de fritura mais violento de que se tem notícia.

Se, no entanto, mudar mesmo a estrutura que deu para Moro, é sinal de que resolveu dar o golpe final, ou por considerar-se forte o bastante para isso, ou porque avalia que se deixar Moro mais tempo com a visibilidade que tem, ele se tornará um candidato à Presidência da República difícil de bater. Cortando-lhe as asas agora, mesmo que ele saia do governo em protesto, o custo a longo prazo seria menor, pois a repercussão negativa não seria suficiente para manter a popularidade de Moro durante os próximos dois anos longe dos holofotes. 

Pode estar fazendo um cálculo errado.

O Globo, 24/01/2020