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A favor da sociedade

 

Até agora, o governo já substituiu nove deputados para tentar derrubar a denúncia contra Michel Temer. Com as alterações, é provável que o resultado seja revertido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas de qualquer maneira é uma confissão de fragilidade do Governo. Mudando os membros da Comissão até a última hora, demonstra o receio de perder.

Mas não muda a tendência do plenário, que não é favorável a Temer. Esses deputados que foram substituídos agora estarão no plenário para votar contra ele. No relatório, o deputado Sérgio Zveiter foi muito hábil ao jogar a questão da aceitação do processo como uma defesa da sociedade. Colocou os deputados diante deste dilema: na dúvida, você fica com o presidente da República ou com a sociedade?

O advogado Antonio Claudio Mariz bateu muito nessa tecla de que o presidente Temer é um ser humano que precisa ter seus direitos protegidos. Essa tese, que pode ser eficiente em um processo criminal qualquer, não parece ter o mesmo efeito num julgamento político. Ora, Temer não é um ser humano qualquer, é o presidente da República.

Proteger o presidente da República contra a sociedade é um dilema e tanto para os deputados, representantes da sociedade. ODeputado Sergio Zveiter afirmou no seu relatório que, "por ora, temos indícios, que são sérios o suficiente" para justificar o recebimento da denúncia. Ele ressaltou que a acusação "é grave" e, diante dela, "não podemos silenciar".

"Não é fantasiosa a acusação", nem “inepta” disse, rebatendo a defesa de Temer, o que muito irritou o Palácio do Planalto, que viu nesse comentário político um avanço do relator na análise do mérito da denúncia. "É preciso que se faça a investigação. São várias as pessoas envolvidas e a verdade precisa ser esclarecida", acrescentou.

Mais uma vez ele facilitou a vida dos deputados que querem votar contra o presidente salientando que esse primeiro momento não é de condenação de Temer, mas apenas de aceitar que as investigações sejam feitas. O advogado de defesa se apegou a uma afirmação do Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, de que o presidente “recebeu” R$ 500 mil, e pediu que fosse provado quando, onde e como o presidente Temer recebeu esse dinheiro, alegando que falta “materialidade” na denúncia.

Evidentemente o Ministério Público partiu do princípio de que, tendo o assessor indicado por Temer como de sua “inteira confiança”, através de quem Joesley poderia “encaminhar” a ele, Temer, qualquer coisa, recebido uma mala cheia de dinheiro, o destinatário final seria o próprio presidente.

No entanto, há outros elementos que indicam isso, além da delação premiada do Joesley Batista que detalha a operação.  O dinheiro recebido por Rocha Loures era parte de um pagamento semanal de propina combinado entre ele e Joesley Batista, conversa que também foi gravada.

No diálogo, Joesley explica que o grupo J&F controla a termoelétrica Empresa Produtora de Energia (EPE), em Cuiabá, e que estava tendo prejuízo em razão de prática que considerava anticompetitiva da Petrobras na compra de gás natural na Bolívia. Joesley, que já havia se queixado com Temer sobre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), pediu a interferência de Loures.

Durante o encontro com Joesley, Rocha Loures ligou para o presidente interino do conselho, Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo, e pediu que ele intercedesse em favor da J&F, numa demonstração de poder. Rocha Loures encontrou-se em seguida com o principal executivo da JBS, Ricardo Saud, que também gravou o diálogo.

Na conversa, Saud explicou como seria o pagamento mensal que Joesley prometera ao pedir a interferência de Loures no CADE. O pagamento poderia variar conforme a cotação do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), valor fixado em reais por Megawatt-hora (R$/MWh). Se o PLD ficasse abaixo de 300 reais, não haveria pagamento. Se ficasse entre 300 e 400 reais, seria de R$ 500 mil, e se passasse de 400 reais, a propina seria de R$ 1 milhão por semana.

O acordo valeria por um ano, mas Loures disse que a razão do pagamento continuaria existindo enquanto durasse o contrato com a Petrobras.  Saud, então, dá a opção de fazer um contrato por 25 ou 30 anos que continuaria a gerar rendimentos, sugerindo que poderia ser “uma aposentadoria”. Quatro dias depois dessa conversa, a Polícia Federal filmou Rocha Loures correndo pelas ruas de São Paulo com uma mala cheia de dinheiro.

O Globo, 11/07/2017