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A fábrica do nada

 

"Quem se desloca recebe. Quem pede tem preferência". No início desta crônica eu poderia citar Platão, Nietzsche ou Santo Agostinho. Preferi citar Gentil Cardoso, folclórico técnico de futebol em outros tempos.

Pensando bem, a máxima serve para todos e em qualquer circunstância. Serve até para Deus, que pairava sobre as águas sem nada para fazer.

Para passar o infinito do seu tempo sem fazer mais nada, criou o céu, as estrelas e alguns bichos, entre os quais o macaco. Como tinha muito tempo para não fazer mais nada, enjoou do macaco e fez dele o primeiro homem.

Não se deslocou de onde estava e ninguém pediu qualquer coisa a ele. Até que teve a infeliz ideia de fazer o primeiro homem, colocando-o num paraíso criado especialmente para a sua nova obra. Ficou muito cansado e resolveu descansar sete dias, que se prolongaram em vários séculos.

Quando acabou o repouso, viu que havia feito uma besteira. Inundou a sua criação durante 40 dias e 40 noites. Para não esquecer o que havia feito, salvou o homem e os animais, um casal de cada espécie. Ficou exausto novamente e resolveu descansar.

E até hoje continua repousando, deixando sua obra em busca de um destino. Em compensação, deu-lhe o livre-arbítrio. E assim chegamos a 2017, às armas químicas, à Lava Jato e ao rock.

Chegou ao ponto de tolerar que um cronista, que também não gosta de fazer nada, escrevesse esta crônica, pedindo que ele não acorde nunca e deixe sua obra em busca do nada.

Os deuses gregos recusaram o nada e fornicaram com suas filhas, cunhadas, primas, vizinhas e até mesmo suas mães. Criados à sua imagem e semelhança, tivemos uma respeitável herança que se tornou a fábrica do tudo, inclusive da Odebrecht. 

Folha de São Paulo (RJ), 23/04/2017