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Engano de pessoa

 

Na crônica “Patetice”, Luis Fernando Verissimo conta como em um jantar na casa de Marcos Azambuja, então embaixador brasileiro em Paris, sentou-se ao lado de Nelson Freire, com quem conversou longamente como se fosse Miguel Proença. “Ele não acusou a gafe e respondeu educadamente a todas as minhas perguntas sobre o domicílio, a agenda de concertos e a vida pessoal do Proença, sem dúvida recorrendo à ficção”. O nosso genial pateta só acertou o instrumento que os dois tocam magistralmente: piano

O mais engraçado veio no domingo passado, quando Nelson, depois de ler a tal crônica, comentou com uma amiga que estava em sua casa. “Ué, mas essa história é a minha”, disse às gargalhadas, revelando para ela que na época não tinha a menor ideia de que o seu companheiro de mesa era o próprio Verissimo. “É uma história maluca”, diverte-se a amiga, “pois aconteceu com os dois a mesma coisa. O Nelson passou o jantar achando que quem estava ao lado dele era o Zuenir Ventura, que chegou a receber elogio por um artigo que, por coincidência, era sobre confusão de pessoas”.

Depois de terminado o jantar, conversando com o embaixador, Nelson ouviu a confirmação: “Aquele com quem você conversou não era o Zuenir Ventura, era o Luis Fernando Verissimo.”

No meu artigo citado, eu contava que, ao chegar a Paraty para uma edição da Flip, fora cercado por um grupo de jovens me exaltando: “Sou sua fã, li todos os seus livros.” Estava me achando, pois mal tinha chegado e já era aclamado. Foi quando alguém gritou para uma conhecida que passava do outro lado: “Fulana, vem ver o Saramago.”

Numa outra edição da Flip, quando lia meu jornal na praça, umas quatro ou cinco jovens senhoras pararam à distância, e uma tomou coragem e se aproximou: “Desculpe interromper sua leitura, mas posso tirar uma foto?” Respondi que sim, com prazer, e ela perguntou: “Você é o...?” Decidi não ajudar, ela demorou um pouquinho e completou: “Claro, é o Millôr Fernandes.”

No dia seguinte no café da manhã, o salão vazio, um simpático funcionário da pousada veio puxar conversa: “O senhor sabe que fui criado lendo seus livros infantis?” Agradeci (pra que decepcioná-lo?) e perguntei qual era o preferido. “Ah, o Menino Maluquinho”, respondeu. Eu disse que era o meu também, e escrevi “com um abraço do Z” no guardanapo que ele me deu para autografar.

Saramago, Millôr, Ziraldo, entre outros como Drauzio, Marcos Caruso, Abraham Palatnik. Só faltava o Verissimo para me fazer chegar mais uma vez à conclusão de que não sou, pareço.

O Globo, 21/07/2018