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Em busca do dinheiro

 

O governo estuda uma mudança na declaração de Imposto de Renda que reduziria o pagamento de lucro imobiliário do contribuinte, rendendo, ao mesmo tempo, mais que o trilhão de reais que pretende economizar em dez anos com a reforma da Previdência.

Foi o que o presidente Jair Bolsonaro previu ontem em reunião com a bancada de deputados do Nordeste, brincando com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Os parlamentares ficaram curiosos sobre a medida, e muitos consideraram que a afirmação do presidente Bolsonaro pode reduzir o apoio à reforma da Previdência, pois o governo já teria uma fonte de renda como plano B.

A ideia em estudo seria permitir, com o pagamento de uma taxa, a atualização do valor venal dos imóveis, o que reduziria o lucro imobiliário a ser pago no ato da venda.

Hoje, o lucro imobiliário tem um imposto de 15%, e, como não é permitida a atualização na declaração do Imposto de Renda, é necessariamente alto o lucro e, portanto, o valor a ser pago pelo vendedor. Algumas exceções existem em leis estaduais, mas são casos específicos.

Essa situação estimula que muitos contratos de venda sejam feitos com o valor da transação subestimado, o que acarreta redução na arrecadação do imposto sobre o lucro imobiliário.

O que não está claro é qual seria o mecanismo utilizado. Pode ser uma taxa fixa, ou proporcional à redução do valor a ser pago, podendo ser a atualização opcional ou compulsória.

Se for opcional, especialistas consideram difícil calcular quanto o governo arrecadaria, pois a taxação teria que ser atraente para os proprietários em relação ao que deveriam pagar de lucro imobiliário no caso da venda.

Seria um mecanismo semelhante à mais-valia, em que o proprietário paga uma taxa à prefeitura para ser autorizado a fazer uma obra em seu imóvel fora dos padrões para sua região. No Rio, existe até mesmo a Mais Valerá, para os proprietários que pretendam fazer obras no futuro.

Só que, no caso da atualização do valor venal, seria um lucro presumido, não realizado para os proprietários que não venderem seus imóveis. Se for compulsória, essa taxação seria um ato de força certamente contestado judicialmente. Poderá ser considerada um novo imposto sobre a propriedade.

É improvável, porém, que a medida que está sendo pensada seja obrigatória, pois o governo a trata como um benefício para a população.

A curiosidade é que em um livro recente da Princeton University Press denominado “Mercados radicais: desenraizando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa”, o economista da Microsoft e da Universidade de Yale Glen Weyl e o jurista da Universidade de Chicago Eric Posner tratam do valor dos bens de capital de um ponto de vista crítico.

Os mecanismos e legislação atuais estimulariam a desigualdade, um calcanhar de aquiles do capitalismo, influenciando o funcionamento da própria democracia.

Eles propõem, entre outras coisas, a taxação auto-estimada, um sistema de posse e impostos pelo qual cada um teria de estimar o valor de seus bens, e pagar um imposto proporcional a essa estimativa.

Essa medida idealmente seria aplicada a todos os bens de capitais. Até aqui, alguma semelhança esse sistema pode ter com a medida que o governo estuda. Mas para por aí. O que os autores americanos propõem é o fim da propriedade, já que todos teriam o direito de adquirir os bens uns dos outros, contanto que pagassem o preço estimado.

Essa “liberalidade”, um toque socialista num projeto que pretende salvar o capitalismo, tem a intenção de impedir que os proprietários subestimem ou superestimem o valor de suas posses. Weyl e Posner estimam que esse imposto geraria aproximadamente o equivalente a 20% do PIB americano, reduzindo a desigualdade.

Nada indica que essa proposta tenha futuro na economia americana, embora tenha causado grandes debates acadêmicos, e nem que o ministro Paulo Guedes leve a tal radicalização o liberalismo. Mesmo porque Glen Weyl admite que mistura marxismo com liberalismo, em busca de uma saída para a crise do capitalismo.

O que o governo Bolsonaro está buscando são medidas que façam a economia sair do marasmo em que se encontra. E dinheiro para equilibrar suas contas.

O Globo, 23/05/2019