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Ela não pode falhar

 

Para comemorar amanhã o aniversário do Rio, a rádio CBN vai fazer um programa especial, com a participação de convidados que homenagearão o aniversariante aos pés do Cristo Redentor, seu símbolo visual mais conhecido no mundo. Tom Jobim dizia que a melhor maneira de ver Nova York era de maca, por causa dos arranha-céus que cobrem a paisagem. A nossa, ao contrário, é do alto, de onde não se veem os nossos problemas e mazelas.

A data é marcada por curiosas coincidências, como a de que há 453 anos a nascente cidade já era palco de muitos conflitos, só que entre franceses, índios e portugueses, não, claro, entre policiais e traficantes. Outra é que Estácio de Sá, o fundador, era um militar, como o general Braga Netto, o interventor atual. Tomara que este faça com os bandidos o que aquele fez com os franceses de Villegaignon, que, adivinhe, era protestante, assim como Crivella é evangélico.

Já o primeiro governador, Tomé de Souza, se deliciava com a beleza de nossa baía — “Tudo é graça o que dela se pode dizer” —, enquanto Pezão anda afogado nos problemas. Às voltas com um estado de “calamidade”, como ele mesmo definiu, acabou apelando para a intervenção federal na segurança.

Desde aquela época, o Rio tem sido alvo de críticas e elogios, o que faz seu humor oscilar entre a depressão e a euforia — é ciclotímico. Ainda criança, já despertava paixão até em religiosos, que lhe dirigiram olhares profanos. “É a mais airosa e amena baía que há em todo o Brasil”, suspirou o Padre Anchieta, além de muitos outros. Aliás, o único viajante estrangeiro que, no lugar da beleza, enxergou uma “boca desdentada” foi o antropólogo Lévi-Strauss, que, parece, esquecera os óculos em Paris.

O Rio cresceu fazendo pose para Rugendas e graça para Debret, assim como se desmanchou diante das lentes de Augusto Stahl, Victor Frond, Augusto Malta e Marc Ferrez. Não resistia a quem passasse por aqui carregando um cavalete ou um tripé.

Sempre admirada com o olhar lascivo da sedução e cantada com a linguagem da paixão, a cidade é tida como voluptuosa, encantadora, luxuriante, atraente. Falou-se, fala-se dela, de sua fauna e de sua flora, de suas serras e enseadas, como se fala de um objeto do desejo.

Todos esses encantos mil da Cidade Maravilhosa, porém, são uma inútil paisagem diante do insuportável presente e da tensa expectativa em relação ao nosso futuro. Do que será capaz essa intervenção que ainda está começando?

A única certeza é que ela não pode falhar.

O Globo, 28/02/2018