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Discurso de recepção

Discurso de recepção por Arnaldo Niskier

“Com os humildes está a sabedoria.”
Livro dos Provérbios

Le propre de la philosophie est de nous faire remonter jusqu’à la source émouvante de notre être individuel et secret qui cherche toujours, disait Kierkegaard, sa relation absolue avec l’Absolu.

Esta foi a epígrafe da tese de doutoramento e de cátedra do nosso novo acadêmico. A lembrança do pensador francês Louis Lavelle marcou o meu primeiro encontro com Tarcísio Meirelles Padilha. Estávamos no ano de 1955 e ele defendia, no auditório do Instituto Lafayette, no Rio de Janeiro, a cátedra de História da Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da então Universidade do Distrito Federal, hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi um concurso memorável, em que o jovem candidato, então com 27 anos de idade e disputando com o Prof. Homero Johas, de São Paulo, ganhou a cátedra de forma brilhante. Tirou nota dez em todas as provas, tornando-se doutor em Filosofia.

Recordo que o Prof. Júlio Barata, membro da banca examinadora, presidida pelo meu inesquecível Mestre Ney Cidade Palmeiro, elogiou em particular o trecho em que afirmastes enfaticamente que “é na História da Filosofia que se percebe melhor a entrosagem do relativo com o absoluto, no que tange às indagações do espírito humano”. Para concluir que a ambição de um filósofo (e Tarcísio Padilha é um filósofo) deve ser a de falar a verdade eterna, dentro da problemática do seu tempo.

Certamente, ainda novo em idade, Tarcísio Padilha ficou marcado pela Filosofia de Louis Lavelle e, numa dinâmica inversa, marcou o meu espírito de estudante, que aplaudia silenciosamente o brilho com que vossas ideias foram defendidas. Foi o primeiro e definitivo encontro. A vida permitiu que nossos destinos se cruzassem, de forma permanente. Fui seu aluno por duas vezes na Universidade que ambos ajudamos a construir.

Agora, eis-nos de novo frente a frente. Saúdo a vossa consagradora chegada à Casa de Machado de Assis da mesma forma que Platão recebia os discípulos na Academia da velha Grécia: “Aqui só entra quem for geômetra.” Pois aqui só entra quem for escritor, no vosso caso, autor de uma série de obras fundamentais sobre Educação e Filosofia. Sois filósofo, escritor e educador, com uma grande contribuição à philosophia perenis em nosso país.

Se devemos saudar, com muita esperança, quem chega a esta Casa, cercado de tanta admiração, não se pode deixar de proclamar o quanto sofremos a perda do inesquecível escritor Mário Palmério, vosso antecessor na Cadeira 2. Autor inspirado de Chapadão do Bugre e Vila dos Confins, também ele figura de relevo da Educação Brasileira, pelo complexo universitário criado em Uberaba, Minas Gerais, hoje descansa na eternidade. Certamente, estará sorrindo para esta feliz continuidade, armada pela sabedoria com que a Academia Brasileira de Letras, aos 100 anos de vida, decide sobre o seu destino. Palmério e Padilha são figuras equivalentes e respeitáveis. Cabe ao segundo o privilégio de tomar posse, numa solenidade tão significativa, em plena comemoração do nosso I Centenário. Mas todos os 252 acadêmicos que por aqui passaram, como é o caso de Mário Palmério, estão conosco, neste momento de justificada emoção.

UMA FILOSOFIA DA ESPERANÇA

A contribuição de Tarcísio Padilha à Cultura Brasileira comemorou cinquenta anos e se fez por intermédio de dezenas de crônicas e sete livros publicados, entre os quais pode-se destacar Uma Filosofia da Esperança, obra lançada em 1982, e que levou a Encyclopédie Philosophique Universelle, de Paris, a incluir o autor entre os 5 mil filósofos mais importantes de todos os tempos, desde a remota Filosofia Oriental.

Trata-se de uma reflexão voltada para a primazia da “ordem do coração”, da intimidade e dos valores, em que se mostra acima de tudo um metafísico, de reflexão centrada na subjetividade humana. Assim, ele afirma que ser-no-mundo é uma constante busca da eternidade. São vossas palavras: “nem o passado, nem o futuro nos falam de uma eternidade que, incansavelmente,buscamos. Só o instante-encruzilhada do tempo com a eternidade fornece à nossa existência a matéria-prima do agir livre, com que se
tece a trama do nosso destino.”

Homem equilibrado, sempre longe do radicalismo dos extremos, considera que toda ideologia enseja um fechamento do homem sobre si mesmo. E nessa posição, em que procura valorizar o homem brasileiro, sugerindo o diálogo consigo mesmo, com o outro e com Deus, tem a boa companhia de outros filósofos da Casa de Machado de Assis, entre os quais Miguel Reale, Evaristo de Moraes Filho, João de Scantimburgo e Sergio Paulo Rouanet.

No âmbito de uma Filosofia Existencial, figura a riqueza da esperança como fonte de indagação metafísica. De forma original, são combatidas com veemência, em Uma Filosofia da Esperança, todas as formas de pessimismo, sem acomodação ao ceticismo desagregador.

A filosofia da esperança de Tarcísio Padilha é uma forma original de redescoberta do sentido da existência, longe das características do negativismo. Ao entregar-vos ao estudo dos grandes mestres da interioridade (Sócrates, Agostinho, Pascal, Kierkgaard, Unamuno, Marcel, Lavelle, etc.), alcançastes as raízes mais profundas da esperança humana. Somente do encontro com Deus, nasce aquele confiante abandono do que se chama esperança.

Para inferir que assim se valoriza o primado do homem no mundo por meio da Filosofia Existencial, objeto da reflexão metafísica, unindo theoria e praxis. Contra o monólogo ideológico estéril, pode-se afirmar que o homem encarna a esperança em seu ser-mais e no Ser que é o Todo do Ser. Valorizase a fé cristã que confirma sua esperança e seus objetivos: enriquecer a participação existencial dos seres humanos no mundo, preservar a dignidade da pessoa humana, salvar o homem moderno da sua angústia, promover o espaço e o tempo da intersubjetividade dialogal e considerá-los como um vetor da democratização.

FILOSOFIA: MODA OU MODISMO

Por estar na moda ou por um processo natural de amadurecimento, fala-se muito em Filosofia. Aliás, Machado de Assis já afirmava, no século passado, que há filosofia em todas as coisas. E isso me foi lembrado recentemente,numa gostosa conversa matinal, pelo Acadêmico Josué Montello, aqui presente.

Na feira filosófica, encontramos de tudo: Ceticismo, Probabilismo, Agnosticismo, Realismo, Idealismo, Filosofia Analítica, Deísmo, Teísmo, Ateísmo, etc., variando a escola de acordo com o pensador que nos visita, ou o livro que nos chega via Internet.

O fenômeno será positivo como moda, pois ela confirma uma acentuada preocupação com o mundo do pensamento, ainda que adstrita a uma corrente de ideias.

Já o modismo, como afirma Padilha, é uma espécie de busca do palco momentaneamente iluminado por um pensador, cuja vida útil em geral não ultrapassa um lustro.

É saudável que a Filosofia ocupe a mente dos homens, para que haja melhor uso da inteligência, maior coerência de modo geral e, nas opções religiosas, melhor compreensão do papel da Ciência e das Artes na vida humana.

Os desafios do fim do milênio mexem com a cabeça das pessoas. Tudo enseja um aprofundamento freudiano ou lacaniano. Assim como Illich falou na desescolarização, hoje cita-se a desconstrução, com o risco muito sério de se estar correndo atrás do nada.

A afetividade eventualmente descuidada pelos filósofos ganha espaço na vendagem de livros de autoestima. Por serem obras de oportunidade, não resistirão à poeira do tempo.

Anotamos pensadores que nos têm visitado, aqui disseminando suas ideias, como Noam Chomsky, Alain Badiou, Alain Touraine, Edgard Morin (o homem do olimpismo moderno), Claude Leport, Karl Apel, e muitos outros.

Esse frenesi, alcançado por uma certa aura de ceticismo, não é de todo negativo, pois enseja maior discussão sobre o mistério do ser e da existência, no possibilismo gnoseológico, na normatividade ética e jurídica, na visão global da sociedade e do Estado. É um período de indisfarçável riqueza cultural.

Todos nos questionamos a respeito do conhecimento, do ser, da existência, dos valores. Se tudo é questionável, à Filosofia compete a tarefa primacial de buscar respostas ou de mostrar os limites do humano entendimento.

Se a moda filosófica invade as universidades, o fato pode ser saudado como um sintoma de que os nossos jovens finalmente se entregam à reflexão crítica que os fará melhores e mais felizes.

LIBERTAÇÃO E LIBERDADE

Tarcísio Meirelles Padilha, casado com a sua doce Ruth, fibra de moabita numa aparência de enganosa fragilidade, reúne o moderno e o eterno, no amor que devota à terra fluminense que o viu nascer e aqui realizar a sua obra notável. Ele encarna a expressão da philosophia cordis, que se tornou arcabouço do homem brasileiro.

Saudando José do Patrocínio e Levi Carneiro, figuras emblemáticas desta Casa, ao entrar para a Academia Fluminense de Letras, Padilha lembrou-se dos conceitos de libertação e liberdade, mostrando que é na liberdade da pessoa, e não simplesmente do indivíduo, como também pensamos, que se irão traduzir o sentir e o pulsar da modernidade.

Pudestes concluir que a liberdade é uma das potências do eu, e este não é fenômeno de nada. Antes, a consciência de si é o princípio da caminhada metafísica do ser pessoal.

José do Patrocínio mostrou que a libertação traduz a inquestionável necessidade de inaugurar no Brasil o reino da igualdade. Somente assim se poderia alcançar a verdadeira alforria que teima em adiar a sua plena vigência entre nós. Já Levi Carneiro, preocupado com a Educação Brasileira, vislumbrava na liberdade político-jurídica a condição sine qua non da afirmação da Democracia como regime político e como forma de vida. A um e outro, Tarcísio Padilha homenageia como cultores da liberdade, juntando-os a Montesquieu, para quem “a liberdade filosófica consiste no exercício da vontade, ou pelo menos na opinião de que exercemos nossa vontade; a liberdade política consiste na segurança ou, pelo menos, na opinião de que se tem segurança”.

O mundo parece sofrer atualmente uma crise de identidade. Valores são dessacralizados, como se assim se abrisse espaço para a inevitável Sociedade da Informação. O vazio axiológico não é o melhor caminho para a Tecnologia.

Aqui abro um necessário parênteses para lembrar que, em recente conferência na Confederação Nacional do Comércio, tive o meu texto sobre o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro enriquecido por um aparte desse intelectual admirável que é o Pe. Fernando Bastos de Ávila. Segundo ele, todo o progresso só é válido se se fizer em função do homem, para a valorização do espírito humano, e não da máquina.

Se Nietzsche decretou a morte de Deus, a esse pensamento se pode contrapor a afirmação de Foucault: “Não, o homem é que morreu.” Vivemos um período de eclipse, felizmente reversível, em que Deus e os homens manterão sua essência religiosa. E poderemos valorizar a liberdade como dom divino, portanto, de consciente e rica participação criadora. Assim se chegará com maior felicidade à libertação.

ECOLOGIA DO CONHECIMENTO

Com a capacidade de ver longe, percebestes que a juventude brasileira tomou uma adequada consciência de cunho preservacionista. A legislação protetora do meio ambiente apenas iniciou a sua caminhada na fixação de normas rigorosas e objetivas em defesa da Natureza.

Além da poluição ambiental, há uma nova modalidade de distorção, exigindo atenção à Ecologia do Conhecimento. Há que discernir entre informação e conhecimento, sabendo-se que aquela é matéria-prima deste.

A invasão de informações, como ocorre com a existência da diabólica Internet, pode colocar a inteligência na defensiva, por vezes inviabilizando a estruturação do conhecimento.

O excesso de informações enseja uma autêntica arteriosclerose, dificultando a livre circulação do conhecimento. Essa obstrução, positivamente, não é desejável.

No plano especulativo, informações em excesso quebram o necessário equilíbrio entre razão e experiência. O processo de elaboração mental torna-se presa fácil do “achismo” cultural ou o que Tarcísio Padilha chama apropriadamente de opinismo esterilizante e forçosamente dogmático. São vossas palavras:

          A passagem abrupta de uma premissa a conclusões, sem que cuidemos do tratamento lógico-metodológico correspondente gera filosofias fragmentadas e destituídas de organicidade e, portanto, de credibilidade. Sua vigência se deve, por vezes, aos modismos... Vient de paraître não pode constituir critério de avaliação de filósofos e de sistemas filosóficos.

A questão se agrava com a realidade de que, entre nós, já existe em alguns casos o emprego excessivo da Internet. O Brasil tem mais de 200 mil endereços eletrônicos, com a propensão de chegar rapidamente ao incrível número de 1 milhão. A ciência mostra que, a despeito do fascínio da escola virtual, o excesso de informações pode provocar malefícios à saúde do usuário.

O que se deseja é o equilíbrio entre a necessária captação de dados e o exercício da reflexão crítica, para que se viva a harmonia entre o lógos e o empírico. Assim se evitará a erudição vazia, e se promoverá a vivificação dos conhecimentos que embasam a Cultura. Esta, sim, é vida e riqueza do espírito.

A CONTRIBUIÇÃO JUDAICA

Em Tarcísio Padilha, convivem o moderno e o eterno. Assim, compreendeu com facilidade o Povo Eleito, responsável pelo monoteísmo, retratado por Guimarães Rosa quando o fazendeiro Cara de Bronze pede ao subalterno:

– Vá buscar para mim o quem das coisas.
– O quem é o ilimitado, o infinito, o transcendente.

Crítico do Nazismo e da Solução Final concebida nas oficinas da malignidade em que se transformou o regime que atormentou o planeta, em seus doze anos de vigência absoluta, Padilha interpretou as palavras de Theodor Adorno, filósofo alemão da escola de Frankfurt, para quem, depois de Auschwitz, não se poderia mais idoneamente falar em Filosofia. Pois a “Filosofia da Esperança” é um formal desmentido à tese de Adorno.

Seis milhões de vidas arrancadas dos seus lares e sacrificadas com perversidade, embora o povo judeu tenha oferecido à humanidade, ao longo do tempo, vultos notáveis que engrandeceram o patrimônio cultural comum. Não é sem razão que Sua Santidade o Papa João Paulo II sugere que se preste mais atenção às ideias “dos nossos irmãos mais velhos, os judeus”.

Lembra Tarcísio Padilha:

          Não nos arreceamos de sustentar que a ausência de tais expoentes judeus empobreceria significativamente o teor de criatividade da humanidade como um todo. Bastaria citar, na Filosofia, Moisés, Maimônides, Baruch Spinoza, Henri Bergson, Edmund Husserl, Karl Popper, Hanna Arendt, Martin Buber, Emmanuel Levinas, Ludwig Wittgenstein, Max Scheler.

Padilha lembra, na Medicina, Zelman Waksman, Jonas Salk e Albert Sabin; na Psicanálise, Sigmund Freud, Alfred Adler, Viktor Frankl; na Música, Gustav Mahler, Arnold Schönberg, George Gerschwin; na Pintura, Marc Chagall e Amedeo Modigliani; e ainda, na Literatura, Herald Pinter, Saul Bellow, Franz Kafka; nas Ciências Sociais, Claude Lévi-Strauss e Émile Durkheim; na Linguística, Noam Chomsky; na Física, Albert Einstein.

Podem ser citados ainda Walter Benjamin, Karl Marx, Trotsky e um grande número de detentores do Prêmio Nobel, para oferecer uma pequena amostra da contribuição expressiva dos judeus, em diversificados domínios, o que prova, no dizer do novo membro desta Casa, que “a nossa Cultura é, antes de tudo, judaico-cristã”. Para adicionar que o racismo e o fanatismo, qualquer que seja o disfarce, agridem a singularidade da presença humana no planeta.

Se, no dizer de Lewis Thomas, precisamos de toda espécie de cérebros, incluindo poetas, artistas, músicos e filósofos, como justificar a violência, que, de tão recente, ainda permanece viva na memória de cada um de nós?

É certo que, assim, se torna mais transparente o protesto da Acadêmica Rachel de Queiroz contra tais atrocidades, muito pouco dignas do que se espera dos seres humanos. Só uma forte e constante vigilância impedirá que o Holocausto se repita.

EDUCAÇÃO E FILOSOFIA

Sr. Tarcísio Meirelles Padilha,

Sois escritor, educador e filósofo. Vossa obra encontra-se à tona, na Cultura Brasileira, não precisando de arqueólogos para localizá-la, como aconteceu recentemente em Atenas, quando se buscava o lugar exato em que Aristóteles instalou o seu célebre liceu, no ano 335 a.C.

De semelhante com o pensador grego, a vossa atividade exotérica, marcada pela presença dos milhares de alunos aos quais, em vossa fecunda vida de magistérios ensinastes o senso da medida e da proporção expresso na metriófes e o claro exercício da cidadania contido na energeia, inspirada por motivações éticas que plasmaram a vossa personalidade.

Sois, na verdade, um filósofo da Educação, preocupado com a formação moral, intelectual e espiritual do ser humano. Daí ser natural o vosso empenho em conciliar o Humanismo com os reclamos da Modernidade, pugnando sempre por uma educação democrática e basicamente portadora de valores, como sempre defenderam pensadores católicos do Centro D. Vital, entre os quais Jackson de Figueiredo, Gustavo Corção, Alceu Amoroso Lima e Lourenço Filho.

Se a Educação é um ato moral e social, é natural que não se deixe dominar, por exemplo, pela Economia, pois não há sentido em se fazer do homem apenas um instrumento do desenvolvimento econômico. Talvez aqui se encontre a razão do vosso encontro com a Filosofia do Espírito, inspirada em Louis Lavelle. O primado do espírito – e não do desenvolvimento científico e tecnológico – sobre a conduta humana.

São aspectos que poderiam ser muito enriquecidos se déssemos maior atenção à Educação Religiosa, hoje alvo de uma desarrazoada restrição oficial. Se é certo que ela começa em casa e tem nos templos o seu locus adequado, não vemos por que a Escola deva estar ausente desse processo de construção de valores. O Governo deve colaborar para que isso ocorra.

Como percebeu o Prof. Newton Sucupira, ao saudar-vos, na posse da Academia Brasileira de Educação, o germe da vossa filosofia de pensador católico, de vossa metafísica humanista, pode ser representado pela trilogia Transcendência, Participação e Esperança, elementos que são fundamentais em vossa obra, em que “o pessimismo cessa tão logo começamos a agir, a amar e a esperar”.

O compromisso com a Educação para a liberdade é o vosso leitmotiv enriquecido espiritualmente pelo exemplo de sacrifício de Edith Stein, filósofa e pedagoga-mártir de Auschwitz, que ligou a sorte da tarefa educacional à fé, quando sustentou que o educador cuja fé pedagógica tenha esmorecido, nesse mesmo instante deixou de ser um educador.

Em vossa obra, encontramos o múnus de uma nova paidéia, um novo desafio que conclama os educadores à tarefa maior de humanização da juventude, como queria Rousseau ao pugnar pela reforma da Educação, sem esquecer o ideal da Pedagogia Platônica: “O fim da Educação é a formação do homem ético.”

O EXEMPLO DA FAMÍLIA

Sra. Presidente Nélida Piñon, que com tanto brilho dirige as comemorações do nosso I Centenário,

Senhores acadêmicos,

Senhoras e senhores,

A Academia Brasileira de Letras recebe hoje em seus quadros uma pessoa completa, na acepção de Rousseau: “Tudo o que um homem deve ser, ele saberá sê-lo.” Desde cedo, vossa família compreendeu que o homem só se torna homem pela Educação, como repetia Kant, sempre lembrado pelo educador D. Lourenço de Almeida Prado nas lições admiráveis que deixou no Conselho Federal de Educação, a que também pertenceu Tarcísio Padilha, de 1970 a 1982.

Vossa vida e o vosso exemplo cabem neste pensamento de Cícero: “Honor praemium virtutis”, ou seja, “a honra é o prêmio da virtude”.

Alcançastes a glória deste momento, mas não estais sozinho, na cintilante vida de educador, filósofo, conferencista e escritor. Se a Educação se faz no lar e na escola, como está no texto do Concílio Ecumênico Vaticano II, recebestes dos vossos pais Raymundo e Mayard, da vossa mulher Ruth Maria, dos vossos seis filhos e onze netos toda a soma necessária de inspirações que tornaram admirável a vossa personalidade e a vossa travessia.

Estudastes o primário em Campinas (SP) e o secundário no Colégio Santo Inácio, da Companhia de Jesus, no Rio de Janeiro, obtendo o certificado de conclusão em 1946. Depois, na PUC-RJ, concluístes com brilho os cursos de bacharel em Filosofia, Direito e Ciências Sociais, obtendo a licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal Fluminense. Uma carreira coerente e bem-sucedida, que se consolidou no exercício do magistério na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na PUC-RJ, na UFRJ, na Universidade Santa Úrsula e na Universidade Gama Filho, além da Escola Superior de Guerra.

Como presidente da Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos, do Centro D. Vital, do Instituto Brasileiro de Filosofia e da revista Presença Filosófica, Tarcísio Padilha honra o Brasil com seus trabalhos, que se estendem igualmente ao Pontifício Conselho para a Família, com sede no Vaticano, nomeado por sua Santidade o Papa João Paulo II. Associações de Filosofia brasileiras e internacionais contam com a vossa dedicada e inteligente colaboração, levando a outras paragens a expressão do nosso pensamento filosófico, transformando-vos consagradoramente num maître à penser, longe da tentação da desesperança. Fostes o primeiro brasileiro a integrar a Fédération Internationale des Sociétés de Philosophie, primeiro como diretor e depois como vice-presidente, cargo que ocupou em mais duas entidades: a Union Mondiale des Sociétés Catholiques de Philosophie e a Metaphysical International Society.

Por outro lado, vimo-nos solidariamente envolvidos, em 1980, na campanha pela volta da Filosofia às escolas públicas do Ensino Médio do Rio de Janeiro. Uma tentativa vitoriosa da Secretaria de Estado de Educação e Cultura, que então dirigíamos, mas que somente se viabilizou pela determinação do mestre a quem recorremos. A Filosofia voltou a figurar nos currículos de outras unidades da Federação – e ali também estava a vossa mão generosa, enérgica e competente.

ÉTICA E NATUREZA HUMANA

Voltamos a Louis Lavelle, cuja filosofia é tentativa constante de superar antinomias. Ao homem atormentado do século XX, propunha ele a escolha entre um dentre os dois únicos caminhos possíveis:

Não há senão duas filosofias entre as quais é necessário escolher: a de Protágoras, segundo a qual o homem é a medida de todas as coisas, mas a medida que ele se dá é também a própria medida; e a de Platão, que é também a de Descartes, para quem a medida de todas as coisas é Deus e não o homem, mas um Deus que se deixa participar pelo homem, que não é somente o Deus dos filósofos – o Deus das almas simples e vigorosas, que sabem que a verdade e o bem estão acima delas e que não se recusam jamais àqueles que as buscam com coragem e humildade.

Podemos concluir que a Ética está na moda. Para Tarcísio Padilha, “falar em Ética é penetrar no âmago da natureza humana”. A essência do homem perdura por intermédio das transformações, pelas quais os valores nela lastreados atravessam os tempos, resistindo a todas as tentativas de alijá-los ou de ignorá-los. Justiça, caridade e prudência são virtudes peregrinas que, ao lado de outras, se impõem aos homens de todos os tempos.

Recebemos hoje, com muita alegria, na Casa de Machado de Assis, um escritor, educador e filósofo que fez da grandeza em todos os seus atos a motivação da sua exemplar existência. Aqui, lembrando Stendhal, ele continuará a viver, escrever e amar, ministrando permanentes lições de convívio.

Sr. Tarcísio Meirelles Padilha,

a Academia Brasileira de Letras, sob as bênçãos de Deus, no ano do seu I Centenário, vos acolhe de braços abertos.

Sede bem-vindo!

13 de junho de 1997