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Discurso de posse

Não sei de distinção que me honrasse mais do que a admissão à vossa companhia. Sou imensamente grato aos acadêmicos que sufragaram o meu nome e, de modo muito particular, aos que me encorajaram e ajudaram, desde a eleição anterior, sem a menor ressalva ou reticência. Dentre estes, desejo destacar Rachel de Queiroz, Abgar Renault, Afrânio Coutinho, Carlos Chagas, Adonias Filho. Esses amigos diletos não apenas me ofereceram solidariedade irrestrita, mas empenharam-se generosamente a partir do primeiro momento, dando muito de si e do seu tempo para que eu hoje pudesse ter o privilégio de incorporar-me à Academia.

Como esta é uma Casa que vive, respira tradição, sinto que, de alguma forma, terá pesado na vossa decisão o desejo de homenagear um antigo companheiro, membro fundador da Academia, meu avô, Raimundo Correia.

Não tive a ventura de com ele conviver, mas, por intermédio de minha avó e de minha mãe, creio que cheguei a conhecê-lo bem, em seu espírito, suas idiossincrasias, seu profundo senso poético, a extensão da sua pureza e a dimensão da sua integridade. Minha mãe, que dele herdou a curiosidade intelectual e a sensibilidade, conduziu meus primeiros passos através de seus versos, incutindo-me o gosto pela Poesia e a atração da aventura literária.

Relevai-me a fraqueza de voltar, por um momento, à minha infância e dizer-vos um de seus sonetos, dentre os que então nos pareciam mais belos e sonoros:
   
A Cavalgada

A lua banha a solitária estrada...
Silêncio!... Mas além, confuso e brando
O som longínquo vem-se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando.
E as trompas a soar vão agitando –
O remanso da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece...
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce...
E límpida, sem mácula, alvacenta
A lua a estrada solitária banha...
   
A essa evocação de Raimundo Correia, não posso deixar de associar o meu regozijo por estar sua Cadeira ocupada pela extraordinária figura humana que é Rachel de Queiroz. Mais do que um grande nome, Rachel tornou-se marco relevante em nossa história literária, consagrada pioneira no romance do Nordeste com o seu O Quinze.

Senhores acadêmicos,
   
se procurarmos um denominador comum compartilhado pelos sete ocupantes da Cadeira 7, encontraremos, de uma forma ou de outra, com as feições até contraditórias de cada um – facúndia ou sobriedade –, um traço vigoroso de nacionalismo, de exaltação da terra e do homem, de amor romântico pelo Brasil, de afirmação do singular destino brasileiro.

O Patrono – Castro Alves – não apenas atribui particular majestade à Cadeira, mas dá-lhe essa tônica de brasilidade que vai logo adiante adquirir com Euclides da Cunha proporções de vertente nacionalista, de intensa afirmação das peculiaridades da raça e da Cultura brasileiras.

Por mais severos que sejam os juízos de críticos e exegetas, o fato é que ninguém, como Castro Alves, alcançou tão profunda identificação, tão ampla congenialidade com o gosto poético do povo brasileiro. Poeta da raça, poeta social, o mais lido e admirado do nosso País, sua fulgurante passagem pelo mundo continua a retumbar mais de um século depois de sua morte e do impacto do único livro que chegou a ver impresso – Espumas Flutuantes.

O fundador da Cadeira – Valentim Magalhães – revelou sempre intensa preocupação com o Brasil e sua Cultura, seja na liderança intelectual que exerceu, seja na continuada prática do Jornalismo, em que fixou temas e aspectos da nossa realidade social e política, até então escassamente apreciados. Seu empenho junto aos demais fundadores desta Academia, no sentido de dar à Instituição um cunho nacional, eminentemente representativo das tendências e características de todas as regiões do País, confirma esse traço marcante que procuro assinalar.

Sucedeu-lhe uma figura estelar – Euclides da Cunha. A controvérsia até hoje intensa sobre onde situar a singularidade do fenômeno Os Sertões dá-nos bem a ideia da perplexidade que esse livro máximo ainda nos causa e do impacto que perdura, passados mais de oitenta anos.

Romance ou ensaio ou epopeia, o fato é que Os Sertões são o monumento estruturalmente mais amplo e complexo da civilização brasileira, onde ressoa a “linguagem mais épica que já se escreveu em Língua Portuguesa”.

A decisão de Júlio Mesquita de designá-lo correspondente de O Estado de S. Paulo em Canudos daria rumo providencial ao destino de Euclides.

Havendo perfilhado a versão oficial, que atribuía sentido monarquista à insurreição, Euclides pôde contrastá-la com a realidade das condições de vida da população sertaneja, virtual comunidade de párias e deserdados. A ferocidade da luta e da repressão fê-lo retificar o julgamento e denunciar à Nação o genocídio de Canudos. E o potente libelo contra o atraso e a desumanidade seria o arroubo de Os Sertões, “vasto afresco da vida sertaneja em instante de crise dramática”, na bela síntese de Afrânio Coutinho.

Entre 1904 e 1907, Euclides desloca-se para a Amazônia e escreve Contrastes e Confrontos e Peru versus Bolívia. A visita à Amazônia, diz-nos Franklin de Oliveira, “deu-nos quase um outro Euclides”. E explica:
   
A Hileia o educou (e) ensinou a ver o que não tinha visto em Canudos – a heroicidade do homem enfrentando a espoliação econômica, do homem que trabalhava para se escravizar (...). Só o entendimento da exploração humana, que a Amazônia lhe revelou, teria sido suficiente para fazer de Um Paraíso Perdido, caso o projeto de livro se tivesse cumprido, um opus maior que Os Sertões.

Afrânio Peixoto, entrando para a Academia apenas com o seu primeiro aceno literário que foi Rosa Mística, recebeu a eleição como efetivo encargo cultural envolvendo tarefas específicas a desempenhar. Veloz e febril, desencadeou a sua obra de romancista, entregando ao editor, em sucessão, A EsfingeMaria BonitaFruta do MatoBugrinhaAs Razões do CoraçãoUma Mulher como as outrasSinhazinha...

Com a devoção que punha em cada empreendimento, em cada posto ou função, revelou-se um trabalhador infatigável, a serviço, por inteiro, da Cultura do Brasil. Nunca será demais repetir que, durante sua residência e graças aos contatos pessoais que mantinha no exterior, conseguiu de Poincaré e Millerand, em 1923, a doação deste prédio que abriga a Academia desde então. Esse feito nos leva naturalmente a evocar também a admirável realização do nosso ilustre Presidente, Austregésilo de Athayde, em cuja sábia e equânime gestão se consolidou e se expandiu a alforria desta Instituição numa escala que não teríamos ousado sequer sonhar. São, ambos, credores do reconhecimento não apenas nosso, mas do nosso País e de nossa Cultura.

Identificada com o seu tempo, a obra de Afrânio é como uma caixa de ressonância das ideias e sentimentos que agitavam o País. Nos seus ensaios, nas conferências e, sobretudo, nos romances aparece a realidade do Brasil, de todo o Brasil, com suas gentes e paisagens, fazendo da obra desse baiano genial (perdoai o pleonasmo...) um dos mais preciosos documentários da nossa História e Cultura.

Afrânio Peixoto, onímodo autor de cem volumes, é sucedido por Afonso Pena, homem de um livro só. Ambos filhos do garimpo: um, do coração diamantino da Bahia; e outro, do centro de faiscadores e pedristas do sertão mineiro, duas pepitas de quilo, uma após outra, mas duas vocações distintas no fundo da bateia.

Ao voraz, pantagruélico baiano, segue-se a pertinácia unívoca do mineiro, absorvido vinte anos em tema único, consórcio monogâmico com a controvérsia tricentenária em torno da autoria da Arte de Furtar.

Essa intensa inclinação pela crítica atributiva, aliada a uma erudição singular (mais do que familiaridade, intimidade com os clássicos), permitiu ao sábio mineiro decifrar plenamente o enigma literário e restituir, definitivamente, ao legítimo dono, Antonio de Sousa de Macedo, a sua subtraída paternidade.

Hermes Lima, jornalista, professor de Direito, teórico do Nacionalismo, constituinte de 1946, primeiro-ministro do parlamentarismo e, durante nove meses, chanceler do Governo João Goulart, terá sido levado à militância política, antes de tudo, pela sua constante preocupação com os problemas nacionais. Creio mesmo que a opção socialista, que o levaria ao cárcere, violentava, no fundo, as suas próprias tendências conservadoras, que terminariam predominando. Em toda a sua atividade, pública ou particular, a constante invariável foi o propósito de servir o País e buscar soluções dignas e eficazes para a problemática do nosso desenvolvimento social e político.

Pontes de Miranda foi, sem dúvida, o mais versátil e abrangente dos juristas brasileiros. O sólido embasamento filosófico, político e sociológico de sua formação deu-lhe uma verdadeira cosmovisão do Direito, transparente em sua gigantesca obra de renovação do nosso saber jurídico. Ao longo de muitos anos, seus pareceres foram os mais disputados e acatados nas lides forenses brasileiras. Uma opinião sua já era meia vitória, pois sua lucidez e poder de persuasão aliciavam juízes e intimidavam adversários. O menino do interior das Alagoas poderia orgulhar-se de haver alcançado o cimo da montanha, assegurando ao nosso País espaço de relevo na Literatura Jurídica Universal.

Sua excepcional disciplina de trabalho e luminosa capacidade de coligir e correlacionar fatos e situações nunca sopitaram um outro aspecto de sua fascinante personalidade que em nada afetou a sisudez da sua obra de cantaria – o traço inconfundível de sonhador e de poeta. Com efeito, talvez a ele pudesse caber o conceito de La Rochefoucauld sobre o Cardeal de Retz, que se deleitava em confidenciar aos amigos aventuras extraordinárias: Souvent son imagination lui fournit plus que sa mémoire...

Senhores,
   
Dinah Silveira de Queiroz, fiel à matriz básica que é a presença palpitante da realidade brasileira – paradigma dos ocupantes da Cadeira 7 –, procura igualmente reter e interpretar essa realidade, em sua ampla contribuição ao nosso patrimônio cultural.

Sabemos todos o quanto se empenhou para que a Academia deixasse de ser um reduto masculino. Bateu-se, antes de tudo, pelo princípio. Vitoriosa, instou para que fosse Rachel a primeira a candidatar-se. A lutadora postularia, a seu tempo, a admissão a que a credenciava sua obra literária.

Sete romances maiores, quatro coleções de contos, uma de crônicas, vários livros de Literatura Infantil, uma peça de Teatro e uma antologia consagram a versatilidade do seu espírito e a pureza de sua pena. Com estilo direto e sóbrio, é capaz de devassar os escaninhos da alma com a mesma naturalidade com que nos pinta um painel histórico ou assusta o leitor com o recurso ao desvario ou ao sobrenatural. Mas o pano de fundo, a rampa de onde projeta a imaginação, é sempre a ternura pelo cotidiano, a identificação com a terra, o dia a dia, a poesia do corriqueiro, que Dinah foi fixando, ao longo de quarenta anos, em mais de dez mil crônicas para jornais e para o rádio. O simples fato de chamar-lhes “Café da Manhã” mostra o quanto se comprazia nesse encontro matinal com os ouvintes – na intimidade da hora, na prosa coloquial, na jovialidade dos comentários.

No seu cosmos literário, se acomodavam os mais diversos estilos narrativos, do sentimental ao épico, do satírico ao místico, do alucinatório ao picaresco. Há, porém, um denominador comum que é a forma, na sua simplicidade e pureza. Por isso, a narração flui fácil e envolve o leitor.

Floradas na Serra, o romance com que iniciou sua carreira, assinala sua inclinação mais autêntica, que é a configuração psicológica dos personagens. As linhas de urdidura valem menos como trama do que como recurso para penetrar a intimidade do ser, suscitar tensões e fazer vibrar facetas recônditas da criatura humana. Em um horizonte dominado pelo romance nordestino, todo ao ar livre, a escritora reivindica espaço literário para um componente novo que é a fisionomia interior – o romance intimista/sentimental, introspectivo/psicológico.

Depois de um volume de contos – A Sereia Verde –, Dinah sacode o nosso tranquilo ambiente literário de 1949 com Margarida La Rocque, decidida incursão no fantástico/mítico, gênero então escasso no País. A personagem-título, de neurose crescente, confinada a degredo sem remissão numa ilha de demônios e fustigada, continuamente, ora pela injustiça, ora pelo sobrenatural, sempre perplexa diante da própria sorte, constitui, talvez, a caracterização mais completa e mais bem acabada de toda a obra de Dinah.

Essa narrativa na primeira pessoa é intensamente autoanalítica, com ação no século XV e aparente intenção prefigurativa (“Margarida não passa de uma reencarnação da própria Eva, purgando sua falta”, assinalou o crítico Temístocles Linhares), e como que prenuncia a suprema ousadia fabular que foi o Memorial de Cristo, 25 anos mais tarde.

A seguinte peça de porte é uma epopeia histórica – A Muralha –, reconstituição da primitiva e áspera vida pioneira em São Paulo no início do século XVII. Se, no universo da ficcionista, a introspecção prima, nitidamente, sobre o enredo, A Muralha será exceção. Tanto a descrição ambiente, em pinceladas fortes, quanto o enredo em si merecem da autora igual prioridade. As personagens são como talhadas em pedra em cenário de extrema rusticidade, mas de beleza poética, em que o crítico Malcolm Silverman assinala um não disfarçado tom rousseauiniano, dando como exemplo a simbiose telúrica de um índio: “Quando estava no meio da Natureza era como uma criança no ventre de sua mãe, gostoso e confortável.”

A incursão na Ficção Científica foi mais uma prova de sua imensa curiosidade intelectual e disposição de trilhar caminhos novos. Os contos que reuniu em Eles Herdarão a Terra (1960) e Comba Malina (1969) tiveram impacto, uma vez que muito pouco se escrevera no País, no gênero, desde a Amazônia Misteriosa (1925), de Gastão Cruls, O Presidente Negro (1926), de Monteiro Lobato, e a República 3.000 (1930), de Menotti del Picchia. Entre algumas exceções, cabe lembrar o trabalho de Orígenes Lessa, em 1947 – A Desintegração da Morte.

Na Ficção Científica de Dinah, a dimensão humana não se apequena irremediavelmente diante do progresso. Longe de deificar a Ciência e a Técnica, chega a desafiá-las com o seu ceticismo intuitivo e a sua crença no triunfo do humanismo sobre a mecanização insensível e repressora da personalidade. Para a escritora, em todo o universo das Galáxias, a nossa Terra turbulenta, com suas deficiências e limitações, ainda é o habitat mais desejável e onde há lugar para a aspiração à felicidade.

Nos seus devaneios, a autora não se desgarra do nosso Planeta e nem do nosso País. Seu sentido de brasilidade é tão onipresente que chega a contagiar cenários, situações e até as próprias personagens extraterrestres. Por isso, transparece na narrativa um evidente traço caricatural, um tom de sátira e de humor. Caso típico é o do conto “O Carioca”, em que define o protagonista como “Robô inteiramente viciado” e o faz passear pelas ruas de Copacabana e da Lagoa Rodrigo de Freitas, espécie de Macunaíma da era eletrônica...

Disse há pouco “incursão” na Ficção Científica porque Dinah, de fato, não mais tentou pressentir o futuro após Comba Malina.

A atração pelas retrospectivas históricas, revelada em A Muralha, levou-a a dar-nos, em 1965, Os Invasores. Em tom bem diverso da epopeia histórica de 11 anos antes, o novo romance enquadra-se melhor entre as sátiras épicas. O ambiente é intencionalmente confuso e as situações – sem dúvida – grotescas, tragicômicas na dramatização que a autora nos faz da invasão do Rio de Janeiro pelos franceses, em 1710.

Já o romance Verão dos Infiéis (1968), definido como paródia intimista, é um inventário de problemas emocionais que anuviam e dilaceram uma família inteira. A um tempo autores e vítimas da poluição ambiente, os protagonistas agem e interagem com suas cargas neuróticas, formando um painel sombrio e opressivo.

A versatilidade que revelou no romance, Dinah a repetiu nas suas quatro coletâneas de contos, onde as narrativas se sucedem em amplo leque de estilos e técnicas e exibem tramas de intensa complexidade. O gosto pela sátira, pelo fantástico e pela dissecção emocional dos personagens, aliado ao engenho na manipulação do espaço e do tempo, dão riqueza temática e ambiental e essas coleções - sobretudo As Noites do Morro do Encanto.

Segundo o crítico Frederick C. H. Garcia, Dinah revelou em Margarida La Rocque não apenas a sua sede de universo, mas lançou, com esse romance, a primeira pedra de um monumento que se completaria com O Oitavo Dia e com o Memorial de Cristo.

O interesse pela pessoa do Jesus histórico é um fenômeno relativamente recente. No começo do século XIX, duas teologias se confrontavam: a tradicional, segundo a qual os milagres da Bíblia ocorreram tal como descritos e devem ser aceitos como ato de fé; e a dos racionalistas, que buscavam uma explicação objetiva para todos os acontecimentos aparentemente sobrenaturais. Em obra notável, Das Lebens Jesu, 1835, Friedrich Strauss, de boa formação hegeliana, procurou reconciliar a tese dos supernaturalistas com a antítese dos racionalistas e sintetizou-as no que denominou interpretação mítica. Foi ele o primeiro a distinguir, sistematicamente, o Cristo da fé e o Jesus da História, só sendo possível chegar a esse último despindo o documental de todos os aditivos míticos. Sem tentar explicar, logicamente, como os racionalistas, cada incidente dos Evangelhos, Strauss sustentou que grande parte do Novo Testamento é, em última análise, ficção e, como tal, pertence à Teologia, mas não à História.

No vasto campo da literatura dita “pós-figurativa”, em que a ação é “prefigurada” segundo modelos míticos conhecidos (Ulysses, Doktor Faustus), a evocação de Jesus como herói da Ficção Moderna surgiu e desenvolveu-se ao longo dos últimos cem anos, aspirando mesmo à condição de categoria literária própria. Na medida em que os preconceitos religiosos se foram atenuando, os escritores deste século começaram a dar tratamento literário à figura de Jesus, com crescente desembaraço. Os Evangelhos passaram a ser considerados parte de um patrimônio cultural, mais do que apenas artigos de fé.

Esse hoje amplo espectro de “transfigurações ficcionais” de Cristo alinha escritores do vulto de Thomas Mann, Gerhart Hauptmann, John Steinbeck, Hermann Hesse, Ignazio Silone, Nikos Kazantzakis, William Faulkner e muitos outros. Como adaptam, moldam e acomodam a figura de Cristo a seu bel-prazer, o que distingue o recurso imagético e o sentido do simbolismo são as próprias crenças pessoais dos autores. Ergo, o Cristo moral, nesses casos, não reflete, nem busca refletir, necessariamente, o da fé cristã, já que, na transfiguração, o paralelismo é essencialmente formal, não religioso.

Como pano de fundo, para melhor situar o Memorial de Dinah no universo da cristologia, permiti-me que recorde as categorias de Ficção que envolvem o drama de Jesus, alinhadas por Theodore Ziolkowski, professor de Literatura Comparada em Princeton: (1) as “transfigurações”; (2) as biografias ficcionalizadas. (3) Jesus redivivus; (4) a imitatio Christi e (5) os “pseudônimos” de Cristo. O tema das “transfigurações” é um herói moderno cuja vida foi meramente “prefigurada” por Jesus. Nas “biografias ficcionalizadas”, a peça capital é o próprio Jesus histórico. Nessa clave se inscrevem a Storia di Cristo (1921), de Papini, o The Day Christ Died (1928), de Emil Ludwig, The Shepherd (1959), de Robert Payne, e – sem dúvida, os mais brilhantes – King Jesus (1946), de Robert Graves, e A Última Tentação de Cristo, de Nikos Kazantzakis. Na mesma clave ainda, figura a subcategoria dita apocrypha, misto de erudição, ficção e contrafação literária, isto é, pretensa fundamentação em documentos recém-descobertos, que esclareceriam o mistério da vida de Jesus, especialmente os chamados “Anos de Silêncio”, dos 12 aos 30, sobre os quais os Evangelhos são omissos. É o caso de La Vie Inconnue de Jésus Christ, publicada em 1894, em que Nikolas Notowitch pretende provar que Jesus, durante aqueles anos obscuros, teria ido buscar na Índia os ensinamentos que pregou.

Na categoria que Ziolkowski denomina Jesus Redivivus, a estória se passa em nossos dias, mas o Jesus histórico – milagrosamente – aparece. São exemplos o Jésus-Christ en Flandre (1831), de Balzac, La Dernière Incarnation (1846), de Louis Constant, e, mais recentemente, They Call me Carpenter (1922), de Upton Sinclair, e Jesus in Osaka (1970), de Günther Herburger.

A categoria Imitatio Christi tem seu paradigma no livro de Thomas Kempis e abrange as obras em que o herói se propõe viver tal como Jesus, se nascido em nosso meio. Já não se trata do histórico Jesus redivivo, mas de heróis modernos que agem segundo sua própria concepção de Cristo. É o que ocorre com Robert Elsmere (1888), de Humphry Ward, e What would Jesus do? (1950), de Glenn Clark.

A quinta e última categoria – a dos “pseudônimos de Cristo” – é bastante mais ampla e vaga. Acolhe qualquer ficção desde que o herói tenha semelhança perceptível com Jesus, ao passo que, nas anteriores, as transfigurações são delimitadas com precisão, impondo-se que a ação seja prefigurada, imutavelmente, pela letra dos Evangelhos.

O Jesus imaginário de Aleluia, que Josué Montello situou com rara beleza e originalidade no plano da grande ficção, talvez paire, solitário, sobre a classificação de Ziolkowski, ou venha a exigir do mestre de Princeton a adição de mais uma categoria que tenha como patrono e paradigma o próprio Josué Montello. Quanto ao Memorial de Cristo – que Ziolkowski se inclina a inserir na segunda das suas categorias, isto é, a das biografias ficcionalizadas, ainda aí, provavelmente, teria ele de abrir um escaninho especial para a fabulação de Dinah, que se distingue e singulariza nitidamente nesse imenso painel de transfigurações e ficcionalizações.

Com efeito, o herói de Dinah não é apenas Jesus, mas o Cristo. As liberdades a que se aventura são apenas recursos literários com o fim de alcançar mais seguramente o coração do leitor, guardadas, porém, todas as cautelas para evitar o menor desvio da ortodoxia canônica. O homem que sua imaginação busca situar nos vazios e reticências dos Evangelhos não é apenas a figura histórica, o profeta, o crucificado de Pôncio Pilatos, mas, essencialmente, o Filho de Deus, o Cristo querigmático. É extremo o cuidado em evitar gesto ou palavra que possa, de algum modo, induzir, ainda que remotamente, à “secularização” da imagem de Cristo. A iconologia, o recurso alegórico, as analogias revelam essa atenção constante à fidelidade estrita à doutrina da Igreja.

A ousadia de fazer o Cristo falar na primeira pessoa, Dinah a justifica como artifício destinado a aproximar o leitor do biografado e reduzir o distanciamento natural do ser humano no trato com a divindade.

É na imaginosa tarefa de “reconstituir” a infância e a adolescência de Jesus que mais se evidenciam o talento e a sensibilidade da autora. Ao preencher as lacunas dos Evangelhos, revela delicadezas de um retocador de quadros. Seu estilo se apura e refina, e Dinah como que procura conter a própria fantasia e submetê-la à disciplina da inferência e da busca da presunção mais plausível. Esse comedimento da imaginação e a sobriedade imagética dão à narrativa não apenas beleza, mas também força de persuasão.

Sua documentação de base são os Evangelhos, menos documentos históricos do que manifestações de fé. E, como o seu tema é estritamente o Cristo humano, não se aventura na seara dos teólogos e encerra a narrativa com o episódio da Ressurreição.

Essa, a obra da vossa saudosa companheira, a quem hoje tenho a honra de suceder.
   
Senhores,
   
como já salientei, os ocupantes da Cadeira 7, cada qual à sua maneira, foram tocados pelo que Machado de Assis chamou de “Instinto de Nacionalidade”. Não apenas contribuíram para dar conteúdo e sentido à temática nacional, mas, sobretudo, viveram intensamente a sua época.

Em nossos dias, não será exagero dizer que estamos presenciando a alvorada de uma civilização de alcance efetivamente global, alicerçada nas conquistas tecnológicas do Ocidente e enriquecida pelas contribuições de todas as demais culturas. A principal missão das novas gerações será evitar que o Homem, cuja criatividade dominou a natureza, o espaço e a própria matéria, seja vítima do enorme descompasso entre a velocidade da inovação científica e a lentidão do processo político-social, num quadro de contradições e de crise moral e espiritual.

Segundo Tristão de Athayde, a missão das Academias “não é inovar, renovar, orientar...”, e sim “...conservar, defender, preservar o passado”.

Vinte anos depois dessa bela lição, entretanto, creio que o próprio ato de conservar deixou de ser passivo para ganhar uma dimensão eminentemente dinâmica. Em vez de mera reação a contingências, um novo conceito de preservação do passado requer perspectiva de longo prazo e atuação esclarecida.

Tudo indica, senhores acadêmicos, que a revolução tecnológica em curso está destinada a ter impacto ainda mais amplo e profundo sobre a mentalidade e a cultura humanas do que a suscitada na Renascença pela difusão da imprensa, da bússola e do papel.

Essa realidade reclama visão pioneira e nos impõe a aceitação de inovações que ora nos causam perplexidade. De outro modo, como proteger esta Casa contra a obsolescência e conservar, num mundo dominado pela Tecnologia, o que seriam as reivindicações legítimas, a tradição autêntica, em suma, o legado cultural do País?

Temos, todos, plena convicção de que pode estar em jogo o futuro mesmo da Cultura, como a concebemos. Conquistas como a interação instantânea do fato e da notícia, correndo em tão rápida sucessão, geraram o vendaval que nos agita a todos, acelerando e atropelando o que desejaríamos evoluísse ordenadamente sem saltos extremos ou traumas maiores. E esta Casa, que foi sempre remanso e pausa, centro de reflexão e criação, não se poderia alhear aos grandes rumos e tendências da nossa época.

É certo que as Academias não foram concebidas como guias da Literatura Nacional, nem como foros de planejamento cultural. Mas estariam contrariando sua própria razão de ser se viessem a transformar-se em enclaves culturais estagnados num cenário em mutação vertiginosa, em que a televisão provoca a erosão da imprensa, em que os livros se podem tornar anacrônicos e os dígitos já substituem não apenas palavras, mas sons, nomes e fisionomias.

Nesse mundo, cujos umbrais estamos ultrapassando, mundo da memória eletrônica, da robótica, da inteligência artificial, do processador de palavras, das traduções instantâneas por computador, cabe-nos – antes de tudo – a ingente missão de preservar espaço para o Humanismo, maior apanágio desta Casa. Ainda que aqui não confundamos saber com erudição e, menos ainda, com a erudição dos bancos de dados e microfichas, será cada vez mais difícil impedir que a erudição fácil entorpeça o florescimento do saber.

Mas, se não há como desacelerar o ritmo da inovação tecnológica, cumpre acelerar o ritmo da nossa própria acomodação – única forma de dar adequada proteção ao nosso patrimônio cultural.

Se, na década de 1990, como se espera, um único videodisco poderá armazenar toda a Enciclopédia Britânica, com expressão visual e sonora, disporemos dos meios de conservar, com maior abrangência e eficácia, o que de mais significativo houver da Cultura do País.

A informação de bibliotecas e arquivos, além de assegurar a conservação da memória cultural e dar-lhe dimensão verdadeiramente operativa, deverá torná-la acessível a todos. O levantamento, por exemplo, do que se escreveu no Brasil sobre determinado assunto – virtualmente inviável com os meios de hoje – poderá ser concluído rapidamente, graças ao recurso informático.

Senhores acadêmicos,
   
permiti que abuse da vossa indulgência para estender-me, ainda por alguns minutos, sobre o advento da Informática, cujas implicações são de tal forma amplas que tornam seu impacto eminentemente social e político, portanto cultural.

Muito mais do que as revoluções tecnológicas do passado, a da informática está destinada a afetar profundamente a organização geral da sociedade, os métodos educacionais, o equilíbrio econômico, a ordem social e, em larga medida, a própria soberania das nações. Insinuando-se de forma tentacular, tornou-se fator de aceleração de todas as demais inovações, indispensável, onipresente e dominadora. Privilégio de poucos, durante a curta pré-história dos computadores de grande porte, a miniaturização e a redução de custos dos equipamentos ensejou a universalização do seu uso: das grandes empresas às médias, às pequenas e, agora, aos indivíduos.

Os aparelhos não apenas são hoje manipulados por leigos e crianças, como deixaram de ser isolados, isto é, passaram a comunicar-se por meio de redes cada vez mais interconexas. A Informática, em breve, já não será um instrumento a serviço do poder econômico, portanto elitista, e se encontrará ao alcance de todos, como a eletricidade.

O rápido enlace que se verificou entre o universo dos computadores e o das Telecomunicações deu nascimento a uma nova realidade que se agiganta a cada dia – a da Teleinformática. Esse consórcio engendrou um horizonte com vocação para tornar-se o mais abrangente fenômeno de massa em todos os tempos.

Segundo o estudo encomendado pelo presidente da França a Simon Nora e Alain Minc, em 1978, L’Informatisation de la Société, a teleinformática, ao contrário da eletricidade, não fará circular uma corrente inerte, mas a informação, isto é, o poder.

A linha telefônica e o canal de televisão constituem as premissas desta mutação, (...) começam a interligar computadores e bancos de dados e disporão, proximamente, graças aos satélites, de um instrumento verdadeiramente imperial. A Teleinformática não constituirá uma rede a mais, porém uma rede de outra natureza, fazendo jogar entre si imagens, sons e memória: ela transformará o nosso modelo cultural. Com o potencial de interferir nas mais diversas atividades do homem, em seu próprio sistema de ser e de viver, nas relações sociais e de trabalho e, sobretudo, no acesso à informação, esse novo instrumental tangencia ou penetra áreas de competência do Estado e envolve-se no próprio jogo de poder, portanto com implicações sobre a segurança e a soberania dos países.
 
A Teleinformática deverá influenciar, a médio e a longo prazo, os instrumentos maiores da Cultura: a linguagem, nas relações com o indivíduo e, mesmo, na sua função social; o saber, como prolongamento das memórias coletivas e como instrumento de igualização ou de discriminação dos grupos sociais.
   
Num dos campos que nos interessam diretamente, isto é, o da Língua, mudanças relevantes estão à vista. Assim como os “tabloides” cunharam vocabulário próprio e alcançaram extrema concisão de estilo, por economia de espaço, a Informática está criando, por sua vez, um linguajar sumário, direto, depurado, para permitir a comunicação a menor custo. Os seus idiomas iniciais, de semântica rígida, estão sendo simplificados rapidamente para aproximar-se da linguagem corrente, tendência que será acelerada ainda mais com o acesso em larga escala dos colégios e dos lares aos pequenos computadores.

Inevitavelmente, esse linguajar enxuto, desataviado de qualquer ornamento, será transposto ao diálogo corrente, ao estilo epistolar, à obra literária. Tenderá a limitar-se ao estritamente essencial, passando a economia de palavras e o recurso ao símbolo a dominar a comunicação entre as criaturas, dando lugar a uma espécie de dialeto que se superpõe ao linguajar corrente, enlaçando-o e poluindo-o – espécie de novo Esperanto, vitorioso em todo o mundo.

Mais visível do que a disciplina sintática e a sequência uniforme da frase é a invasão de termos técnicos, intactos na versão inglesa, como software e interface, incorporados, pura e simplesmente, não apenas no Brasil mas em quase todos os países. O intenso uso de verbos compostos, que já se observa no estilo dos operadores da informática importada, é um exemplo corrente da influência da linguagem de computador, ainda inteiramente baseada no idioma Inglês. Muito mais relevante, porém, é a influência sobre a própria formulação do pensamento, o que implica, necessariamente, transfusão de cultura. Com efeito, se a Tecnologia pode ser neutra, como queria Marx, a informação, a notícia, nunca será qualitativamente neutra ou objetiva. Seu formato e construção trazem a carga indelével do meio cultural de onde provêm. O recipiente da notícia é, pois, necessariamente, um recipiente de cultura.

Se, pela primeira vez, a criatura humana entra em diálogo com entes não humanos, e estes, por sua vez, em diálogo entre si, o que a linguagem ganhar em concisão deverá perder em sutileza com a rarefação inevitável das nuanças e meias-tintas. Embora se alegue que, a longo prazo, o computador chegará a ter razoável sensibilidade estética, o predomínio inarredável da lógica formal tolherá certamente as liberdades semânticas ou léxicas em benefício da uniformidade e disciplina exigidas pelo circuito eletrônico. Daí o temor natural de que essa virtual transferência das limitações da máquina ao homem termine por atrofiar neste a própria faculdade de criar.

O contra-argumento – que me parece válido – funda-se na presunção de que o Ensino atual, baseado na memorização passiva de fatos, seja substituído pelo aprendizado do “relacionamento” da informação, isto é, como estruturar, concatenar ou correlacionar a informação para alcançar o fim desejado. Ora, essa necessidade de interação Homem-Máquina na busca de nexo, de vínculo, só poderá estimular a iniciativa e a criatividade, em vez de limitá-las.

Quando se consumou, num momentoso processo de sinergia tecnológica, a ligação do computador ao aparelho de televisão e ao telefone, estava dado o grande salto capaz de “conectar” o simples indivíduo, literalmente, ao resto do mundo. A montagem desse triângulo sagrado dos sistemas de informação eletrônica deu efetivamente ao homem, partícula infinitesimal do universo, um poder mágico, cujas consequências mal podemos vislumbrar: deu-lhe o acesso desimpedido a todas as fontes do conhecimento, em qualquer ponto do Globo, mediante a simples manipulação de um terminal doméstico.

Esse prodígio da inventiva humana, ao abrir à nossa civilização horizontes insuspeitados, suscita, naturalmente, indagações e reflexões quanto ao efeito que terá sobre o futuro da própria Cultura. É certo que o computador registra, elabora, racionaliza e soma conhecimentos em escala virtualmente ilimitada. Mas, se a Cultura é a sublimação do conhecimento, o influxo torrencial e indiscriminado da informação ameaça criar uma falsa erudição, incapaz de ser nutriente válido. Ainda que manancial portentoso de informação, o computador jamais poderá criar Cultura, o que continuará privilégio exclusivo do ser humano.

Com efeito, o acesso fácil e imediato à informação, aos bancos de dados, que já proliferam, começou a dispensar o recurso ao livro, a pesquisa pessoal nos arquivos ou a visita à biblioteca. Assim como o estudante de hoje, com a calculadora no bolso, não se dá mais ao trabalho de exercitar sequer as quatro operações, a juventude de amanhã terá ao alcance dos dedos, sem sair de casa, instantaneamente, seja no vídeo ou no jorro da impressora acoplada ao seu terminal, o texto que procura, o artigo de jornal, o poema, o discurso, catadupas de material sobre o que desejar ler.

É tamanha a velocidade das transformações, que já estamos assistindo a uma novíssima revolução que consiste na transição do processamento da informação ao processamento do próprio conhecimento, o que me traz à lembrança a indagação angustiada de T. S. Eliot: “Onde está a sabedoria, que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento, que perdemos na informação?”

A grande indústria hoje em gestação é a do conhecimento. Do conhecimento, mercadoria vendável como qualquer outra. Engenharia do conhecimento e pesquisa de inteligência artificial – eis os setores de ponta nas pranchetas da Ciência Moderna, impulsionados pela convicção de que o conhecimento é poder, e o computador é o amplificador desse poder.

Há mais de 30 anos, Oswaldo Aranha, a meu ver o estadista de maior visão que já teve o Brasil, costumava dizer que, em futuro não muito distante, a maior potência já não seria a que dispusesse de melhores armas, mas da melhor informação.

Ainda quando possa parecer que vos li páginas de Ficção Científica, creio que sou apenas sensível à transparência do cenário tecnológico moderno, que se me afigura tanto fonte de regozijo quando de preocupação.

Ao pedir vossa atenção para os desafios da inovação tecnológica, sobretudo no campo da informação, e ao formular perguntas sem aventurar respostas, não tenho outro propósito senão o de suscitar novas indagações para serem submetidas, umas e outras, ao vosso escrutínio e reflexão.
   
Senhores,
   
venho do Itamarati – Casa como esta, de tradições –, cuja melhor tradição consiste em identificar em cada momento histórico os interesses nacionais a defender. A constante preocupação com o Brasil perante o mundo e a busca permanente de meios para bem cumprir sua missão valeram justamente ao Itamarati a qualificação de “estado-maior civil da Nação”.

A diplomacia brasileira tem sido representada nesta Casa, desde a sua fundação, por eminentes personalidades que trouxeram, com frequência, contribuição valiosa de experiência adquirida no exterior, com base em postos de observação privilegiados, personalidades entre as quais avultam, desde logo, o Barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco. A oportunidade de acompanhar de perto as transformações políticas, sociais, econômicas, culturais e tecnológicas em curso no mundo permite ao diplomata agraciado pela vossa acolhida vir oferecer à Academia o seu acervo de vivência com outras culturas e civilizações.

Pertencerei, aqui, à clave dos historiadores, cujo Patrono é o egrégio Pedro Calmon. Como para a moderna Ciência Histórica o passado é um processo dinâmico, o mister de historiador não exclui a indagação sobre o porvir nem o exercício de extrapolar o possível desenrolar dos acontecimentos nacionais e mundiais.

Se é exato que sem o componente social a história econômica é estéril e a história política ininteligível, podemos concluir que o historiador em nossos dias só fará obra fecunda se lograr apreender, em sua plenitude, o sentido e a profundidade das transformações que a terceira revolução industrial começou a impor à civilização contemporânea.

Senhores acadêmicos,
   
chamado ao vosso convívio, trago-vos a mensagem de quem vê com otimismo o novo mundo em gestação, convicto de que esse novo mundo não fugirá às inspirações superiores de todos os que, ao longo dos séculos e em nossos dias, defenderam e defendem os padrões do Humanismo, conciliados não apenas com os imperativos do progresso, mas, sobretudo, com as aspirações de equidade e justiça, de paz e harmonia social por que clamam, angustiadas, as novas gerações.
   
Muito obrigado.

14/6/1984