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Discurso de posse

DISCURSO DO SR. A. J. PEREIRA DA SILVA

CREIO, Senhores,

Na imortalidade.

Ninguém me desengana
De que é divina a passionalidade
Da dor humana.

O que é pó, volta ao pó, mas a certeza
Desse destino igual
É condição da própria Natureza
E a minha crença é sobrenatural;

Pois, se tivesse os mesmos fundamentos
Da razão positiva,
Não se tornava cada vez mais viva
Nas horas dos soluços mais violentos.

Nas horas em que a morte prematura
Sem causa e sem razão
Priva os que ficam da melhor criatura
Que nossos olhos nunca mais verão.
Sim, creio em Deus! Em Deus, única Origem
E único Fim, e minha fé ovante
Aumenta a todo instante
Em que a dor e os meus erros mais me afligem.

Talvez fosse por mero comprazer
Que Hamlet chegasse àquela argúcia extrema
Do célebre dilema
Em que duvida do seu próprio Ser.

O coração também tem seus motivos:
Fé, Esperança, Amor,
Saudade – íntimo espelho refletor
Dos seres mortos e dos seres vivos.

Creio no eterno Espírito Onisciente,
Senhor do Bem, dominador do Mal,
– Numen que a Fé, por ser divina, sente,
E não vê a Razão por ser mortal.

No seu discurso inaugural, nesta Casa ilustre, declarou Luís Carlos que o melhor elogio de João Francisco Lisboa, fizera-o José Veríssimo, escolhendo-o para o patrono da sua Cadeira. Sintetizou, assim, exalçando-os, por sua vez, os méritos desses dois espíritos de eleição, representativos de fases tão distantes da nossa vida literária.

Evocando o nome do famoso estilista do Jornal de Timon, o autor da Literatura Brasileira afirmava a unidade do sentimento nacional de 1831 até nossos dias.
As contingências por que se vem orientando o nosso gênio, de povo, através de tantos anos de vicissitudes políticas e sociais, não alteraram, como se vê, o nosso amor ao idioma e a nossa paixão pelas boas letras.

Se em 1832 o jovem Francisco Lisboa já era notável e êmulo de Alexandre Herculano pela expressividade de sua elocução nacional, em 1916 não era menor, entre os mestres da língua, a reputação de José Veríssimo como clássico e doutrinador de estética.

Jornalista brilhante e temido, escritor notável e político de integridade moral até à abnegação, o autor do Jornal de Timon, da A Vida do Padre Antônio Vieira, e da A Festa de N. S. dos Remédios é por seus talentos e por suas obras um dos bens de mais alta estima do nosso patrimônio mental.
Quaisquer que sejam os traços diferenciais dessas duas individualidades, o certo é que ambas revelaram a mesma dedicação pela nossa cultura.

Comemoremos, pois, com José Veríssimo, o paraninfo que ele escolhera – esse estrênuo polemista genuinamente nosso pela desenvoltura do liberalismo ardoroso e pela plasticidade verbal própria, autêntica, “no qual, por mais que o contenha o seu bom gosto e natural compostura, vibram as paixões que lhe agitaram a mocidade e não estavam de todo extintas nem na sua alma, nem na sociedade que lha formara”.

Essas paixões são as mesmas deste grande momento histórico: – as de um Brasil maior, cônscio de seus deveres cívicos, ciente de sua unidade moral, consciente de sua finalidade neolatina na destinação política do novo mundo americano.

“Brasileiro de origem e nascimento, brasileiro pelas íntimas fibras de sua alma e pelo mais profundo do seu sentimento”, como diz Veríssimo, João Lisboa foi, é e continua sendo, em cada ocupante transitório desta cadeira simbólica, um justo motivo de ufania.

A nobreza desta Academia está principalmente em ser a guarda de honra de nosso patrimônio intelectual.
Cada uma de suas solenidades votivas é para nós, os que vivemos na crença da inteligência criadora, um ato de fé em nossa destinação étnica.

Para a Raça, o passado e o presente continuam no desejo sempre maior de atingirmos um pensamento mais lúcido e uma estilização mais perfeita, e nós, os indivíduos, somos os momentos rítmicos dessa emulação incoercível.

Efêmeros ou duradouros, temos que evoluir segundo o determinismo das nossas energias vivas. Contingentes, mas necessárias, são elas que nos exaltam as idéias superiores e mantêm essa eterna comunhão eucarística entre os seres visíveis e invisíveis. Para elas não há, com efeito, limites de tempo e de espaço, tal como se a vida fosse, em verdade, a mesma e eterna volúpia do futuro.
João Lisboa, Sílvio Romero, Veríssimo, Araripe Júnior, Osório Duque-Estrada, Nestor Victor, e só para falarmos dos mortos que fizeram críticas literárias; são espíritos integrados à nossa evolução cultural.
Devem-lhes as gerações sucessivas o exemplo, que deixaram, de labor invencível, alta cultura e probidade analítica.

Se muita vez erraram ou estacaram inquisitorialmente em conceitos ou preconceitos doutrinários, nem por isso desmerecem suas convicções honestas e seu desinteresse apostólico.
As novas correntes estéticas, iconoclastas por índole, nem sempre toleram as crenças impertinentes. Os “novos” de meu tempo assim procederam com José Veríssimo, cuja autoridade de crítico atingia as culminâncias, precisamente quando já era outro o senso da Vida e a juventude, proclamando-o revolucionariamente, lhe imprimia, em todas as esferas da emoção, a espiritualidade, a graça, o movimento e o ritmo inédito do Simbolismo.

José Veríssimo, como, aliás, os grandes vultos da poesia e da prosa contemporâneas, compreenderam certamente o rumor e a beleza diferente dessas outras vozes; mas persistiram no caráter próprio, como esses rios caudais, que nada desvia do curso grave e surdo, – curso que as nascentes lhe imprimiram às águas, vastas como o céu, que as admira, e as claridades que refletem.

Moços de ontem, só agora podemos apreciá-los com a experiência, único juiz que satisfaz o foro íntimo.
Podemos apreciá-los sem prevenção, porque Arte e Poesia são modos da mesma e eterna sofreguidão de Beleza e esta é sempre nova desde que alcance o milagre de uma realização viva.
Os moldes pouco importam. O Poeta, como todo e qualquer realizador de símbolos, tem o dom imanente do que porventura há de divino em nosso espírito humano e foi, é, será sempre o mesmo em todas as suas revelações.

É ele que cria as obras-primas para maior glória de todos os séculos.
Não há “velhos” e “novos”, não há “passadismo” e “futurismo” senão estados de graça criadora, os quais, como a Perfeição que ideamos, desconhecem fórmulas, preconceitos dogmáticos ou invocações cronológicas.

José Veríssimo não teve, nem podia ter a vibratilidade da nossa adolescência, nem esta poderia apreciar, como um vinco de caráter, a sua atitude inflexível.

A verdade, porém, é que a Filosofia da Arte já havia descortinado outros horizontes e surgíamos, no plenário das nossas aspirações insofridas, orientados por uma nova interpretação finalística da Beleza.
Principalmente em Poesia.

A emocionalidade parnasiana havia atingido a perfeição possível com os grandes nomes da plêiade Bilac, Alberto de Oliveira, Vicente de Carvalho, Luís Murat, Raimundo Correia, João Ribeiro, Augusto de Lima, Emílio de Menezes, Luís Delfino e Francisca Júlia. Aos moços do tempo esse tecnicismo do verso só interessava como um nobre documento humano de consciência artística que eles aproveitariam a seu modo e em outro sentido: no sentido das tendências impressionistas e espiritualistas dominantes. Essas tendências, aliás, já se pronunciavam indistintamente em alguns daqueles poetas luminares e em outros, como o excelso Alphonsus de Guimaraens, Emiliano Perneta, Dário Veloso, Silveira Neto, espíritos cuja afinidade com a geração recém-vinda proclamava a Poesia Nova, direta ou indiretamente aqui chegada com os decadentes e logo depois com os simbolistas franceses e belgas, todos vindo ao encontro das nossas audácias juvenis. Foi assim que daquela nova corrente emotiva, ou por influição dela, surgiram, entre nós, alvoroços e abnegações que a história literária deve cultuar pela novidade do estilo e mobilidade sintática que imprimiram à Prosa e ao Verso.

Os arautos desse advento glorioso foram Cruz e Sousa, Gonzaga Duque, Mário Pederneiras, Castro Meneses, Hermes Fontes, Leoni Ramos, Paulo Barreto, Patrocínio Filho, Paulo Araújo, Augusto dos Anjos, Faria Neves Sobrinho, Paulo Gonçalves, Euricles de Matos e outros nomes admiráveis prematuramente desaparecidos. José Veríssimo, como já disse, não se tomou de entusiasmo por essa ruidosa festa da juventude irreverente. Mas nem por isso a sua atividade literária deixou de ser edificante e exemplar por sua vasta cultura e nobreza de atitude.

A José Veríssimo sucedeu o Barão Homem de Melo, estadista, historiador e geógrafo, cuja atuação didática, durante longa existência, foi tão fecunda e benéfica a tantas gerações.

Sucedeu-o Alberto Faria, outro apaixonado da nossa história literária, principalmente no que ela tem de mais intrínseco: a sua feição folclórica. Ouvi-o ocasionalmente uma ou duas vezes em tertúlias de letrados, mas guardei forte impressão de sua franqueza expansiva e abundância erudita. Nos livros Aérides e Acendalhas, a sua acuidade de filólogo e intuição crítica, apreciando ou comentando os motivos da poesia ou das coisas idiomáticas, são obras inestimáveis para os curiosos de psicologia indígena nas efusões dos seus instintos líricos. Não há talvez maior força para a intensificação da unidade nacional que os motivos folclóricos, invocadores, como são, das origens dos povos e dos múltiplos episódios e lendas de sua vida primitiva, de suas crenças e superstições. São eles que influem no desenvolvimento de um povo e, com os fatores mesológicos, contribuem para a formação dos usos e costumes, das qualidades e defeitos comuns às respectivas populações, sem que lhes contrarie o peculiarismo gregário e, antes, individuando todas como variantes rítmicas do mesmo sangue racial. Apreciando essas influências de origem, é que podemos compreender porque, num vasto país como o nosso, tão vário na geografia e nos climas quanto unitário nos anelos gerais das populações diferenciadas, a harmonia destas se impõe como um determinismo psíquico de suas conveniências políticas; porque as próprias diversidades resultantes desse peculiarismo eventual não só fazem que elas se sintam reciprocamente necessárias, completando umas, pelos contrastes e confrontos o que falta às outras, como também lhes estimula as forças criadoras, integrando-lhes os interesses mútuos, coordenando-as na mesma orientação étnica e identificando-as na unidade espiritual da mesma língua.

Se é certo que as sociedades se regem por leis análogas às leis orgânicas, não vejo razão especulativa que justifique a secessão do Brasil. Os poetas nada sabem de política, mas sentem, pela impulsividade dos instintos, que a sua gente repeliria qualquer idéia cirúrgica de desmembramento da pátria. Uma pátria ou é inviolável como a fé que lhe deu o nome, o sangue que lhe edificou a autonomia e a honra dos filhos que a exaltaram no conceito universal, ou deixa de ser um patrimônio de tantos sacrifícios e tantas glórias para degradar-se no vulgarismo locativo de uma simples designação geográfica. O sentimento inato desta verdade, temo-lo todos nós, filhos de todas as latitudes brasileiras, que, por isso mesmo, queremos o país integral, como o quiseram e fizeram os seus desbravadores bandeirantes e no-lo entregaram consolidado, livre e independente, os mártires de todas as inconfidências de nossa História.

Pátria! Quisera ver-te diferente
De todas as demais do continente,
– De todas as demais de todo o Mundo.
Tens um céu tropical e um chão fecundo,
Rios caudais, terras de hulhas e rosas,
Florestas virgens, minas dadivosas,
Tudo quanto num mundo adolescente
Deslumbra os olhos e fascina a mente.

Pátria de almas ilustres e homens de ação,
Filhos de heróis de espírito cristão,
Quisera ver-te exuberando vida,
Fértil e farta e de tal forma unida
Que não sentisses descontinuidade
Nos teus instintos de brasilidade
E fosses uma só, única e forte,
De norte a sul, como de sul a norte.

Quisera ver-te, Pátria, sem rival
Na emulação da tua paz rural,
No rumor de colméia das fazendas,
Na faina dos engenhos e das moendas,
Nos teus gados à solta e na expansão
Dos teus vastos roçados de algodão.

Pátria que a vista fica a contemplar,
Ébria de azul e de esplendor solar,
Quisera ver-te e hei de te ver um dia
Inda mais alta do que eu pressentia,
Porque tens tudo, tudo que é grandeza:
Clima fecundo, fértil Natureza,
A paixão da Justiça e da Eqüidade,
O sentimento da latinidade,
O culto do Dever, o instinto são,
Os dons da forma e da imaginação,

Toda uma gente de altivez tão boa,
Que um Cruzeiro Simbólico abençoa.

Luís Carlos, sucessor de Alberto Faria e o último laureado desta Cadeira, na ordem do tempo, foi também o único que lhe deu a glória da Poesia. Quis a vossa magnanimidade que participasse eu nessa glória, sucedendo-o. Quis ainda o Destino que fosse Adelmar Tavares o meu paraninfo nesta noite constelada de sonhos vivos e mortos, como a sua “Noite Cheia de Estrelas”. Rendo graças aos deuses por me haverem proporcionado a ventura de ser conduzido pelo Caminho enluarado dessa alma peregrina à serenidade grave e sábia da vossa Companhia. Impõe-me a nobreza do motivo por que me preferistes um duplo reconhecimento: – o do poeta que porventura vos pareceu plausível e o do homem que a boa fortuna identificou, por longa estimação e admiração recíprocas, àquele de cujo elogio posso vos dizer com Fagundes Varela:

“Qualquer o fará mais belo. Ninguém tão d’alma o faria!”
Ninguém, sim; porque ninguém conheceu tão de perto Luís Carlos nas suas qualidades e nos seus defeitos, – se são defeitos os excessos das qualidades. Uma vida é a projeção de uma alma no Mundo. Para bem conhecê-la é necessário, inda que sucintamente, considerar-lhe as contingências biológicas e as circunstâncias eventuais do desenvolvimento. Umas e outras, felizmente, não foram desfavoráveis a Luís Carlos. Era um belo tipo de homem, cujas tendências espontâneas uma boa educação soube orientar desde a infância. A educação, no meu modo de sentir, não tem maior conseqüência se o indivíduo, chegado ao estado de compreender, não submete à vontade própria as predisposições inatas. A vontade é que é a base física ou psíquica de nossas virtudes.

Filho de um casal ilustre, – Dr. Eugênio Augusto de Miranda Monteiro de Barros, e dona Francisca Carolina Werna da Fonseca Monteiro de Barros, – Luís Carlos nasceu e criou-se num ambiente propício ao desenvolvimento daquela distinção pessoal e daquela nobreza de idéias que o sagraram um doutor da gentileza. Os seus pais participavam da intimidade da família imperial, e todos nós sabemos quanto era, de fato, uma verdadeira elite a alta sociedade dos últimos tempos do Império. O Conde de Afonso Celso, um dos mais notáveis sobreviventes desse período ilustre da nossa vida cultural, fez interessantes revelações, a propósito dos ascendentes de Luís Carlos, quando manifestou o seu pesar nesta Academia, pelo prematuro desaparecimento do poeta. Ouçamo-lo:

Durante longo prazo a família dos pais e avós de Luís Carlos, então na infância, habitou prédio contíguo ao da família paterna do orador, que, mais velho do que ele vinte anos, o conheceu e apreciou desde criança – e que linda criança ele foi!
O avô, de quem adotou integralmente o nome, – o Dr. Luís Carlos da Fonseca, – era mineiro, como o pai do orador, o Visconde de Ouro Preto, e, como este, senador do Império pela Província de Minas Gerais.
A avó, filha da Condessa de Belmonte, camareira mor do Paço Imperial, e a quem foi confiado o futuro imperador D. Pedro II, quando nasceu, e sua professora de primeira instrução e educação, fazia versos encantadores, mas só os mostrava aos íntimos. Uma das irmãs dele, senhora exemplaríssima, esposou o hoje almirante Pedro Cavalcanti de Albuquerque, querido amigo do orador. Foram das mais estreitas as relações entre os dois lares vizinhos. Menino ainda Luís Carlos, a mãe dele, também notável, como seus ascendentes e a sua prole, pela inteligência e virtudes, companheira de infância e particular amiga da Princesa Isabel, a Redentora, enviou ao orador algumas composições poéticas do filho, indagando em carta: “Diga-me, com franqueza, se lhe acha jeito para a poesia, como o de mamãe.” Respondi que os versos me pareciam magníficos para a idade do poeta, a quem augurei fulgente destino social e literário. O delicado documento de carinho maternal entreguei-o a Luís Carlos, quando ele entrou para a Academia e ele mo agradeceu chorando. O orador evoca estas reminiscências, para outros insignificantes, mas para ele caríssimas, no intuito de comprovar que o prematuro desaparecimento de Luís Carlos não só o confrangeu no caráter de homem de letras, seu irmão espiritual na Academia, como ainda lhe feriu fibras profundas do coração que lhe dedicava um afeto algo parecido com a ternura e o desvanecimento paternais.

Nasceu poeta, como se vê, o futuro autor de Colunas. Não só nasceu poeta, como teve a fortuna de contar um irmão poeta, e dos melhores líricos da época, Francisco de Paula Monteiro de Barros. Os excessos românticos criaram, entre as famílias, uma espécie de terror supersticioso contra a Poesia e os pais usavam de toda autoridade no preparo dos filhos para as vicissitudes quotidianas. É possível que, por este motivo, Luís Carlos se voltasse exclusivamente para o seu curso de engenheiro e só muitos anos depois reatasse, de novo, o ritmo de sua vocação literária. Durante essa longa ausência, as Musas não se teriam molestado com as Matemáticas? As primeiras eram uma vocação; as outras uma contingência. Mas todos nós temos que obedecer a essa contingência e nem por isso precisamos renegar os impulsos estéticos de nossa natureza. A vocação, sendo inviolável, não vacila e os obstáculos, na maioria das vezes, a estimulam. Luís Carlos é uma prova do quanto a vocação pode aproveitar até mesmo a riqueza técnica, amoldando-a aos seus fins.

DESTINO CÉLERE

As energias do meu ser congrego-as
No anseio de furtar-me a vãs demoras;
Segundos, para mim, minutos e horas
São metros, são quilômetros, são léguas...

Pautam-me a vida os trilhos como réguas,
Por sobre cujas féveras sonoras,
Dias e noites, vésperas e auroras,
Jungido ao trem, vivo a correr sem tréguas...

E, enquanto, assim, desgasto a argila impura
Em terra, sinto em mim que, mais aflito,
O espírito, buscando o ideal na altura,
Sobre o alado corcel do velho mito,
Num galope fantástico procura,
Através do infinito outro infinito...

Logo depois de formado e iniciado em sua carreira pública, passou ele a exercer as suas funções no Estado de Minas. Estava em plena primavera de vida e de coração, graças a um casamento feliz. Essa existência pura e tranqüila favoreceu-lhe o aperfeiçoamento profissional e a cultura geral do espírito.

Favoreceu-lhe principalmente a comunhão ou, antes, a união emocional com a Natureza. O ambiente não podia ser melhor. Minas é um milagre de horizontes espetaculares para o olhar, e para o espírito, toda uma evocação de dramaturgia histórica. É sempre o mesmo desafio à volúpia mirífica da visão que se multiplica e amplia com a variedade telúrica dos seus aspectos e a fascinação de lanterna mágica dos seus céus cromatúrgicos. É sempre a mesma sugestão cívica para quem lhe recorda os lances de heroicidade sangrenta em holocausto à vitória, inda que tardia, da nossa libertação política.

HORIZONTES

Horizontes vastíssimos de Minas
– Volúpia eterna dos contempladores,
Vibram, na transfusão de vossas cores,
Claras sonoridades matutinas.

Sois formados, talvez, de sensibilizada
Contextura sutil de pétalas cheirosas,
Porque em vós se pressente o olor que a madrugada
– Borboleta do Céu espiritualizada –

Com dois raios de sol, como antenas radiosas,
Dissolve nos jardins, desabrochando as rosas!
Quando os olhos mergulho em vossa calma
E longínqua alagoa policroma,
Tem-me o corpo a feição de erma redoma,
Porque me vai, dentro dos olhos, a alma!

Ambiente, como se vê, de pura brasilidade. Foi inefável a sua influência na imaginação de Luís Carlos. Ele guardou, para o sempre, na retina e na alma, essa impressão de grandeza e serenidade. Enquanto nos centros intelectuais se discutiam escolas e se injustiçavam reciprocamente parnasianos e simbolistas, Luís Carlos se entretinha consigo mesmo e compunha os seus poemas sem outros cânones que os ditados pelos próprios estremecimentos íntimos. Identificado, por bem dizer, com a majestade daquele meio físico e com as doutrinas clássicas, a única forma que convinha às suas idéias e emoções era a tradicional. Entre os poetas, já então considerados mestres, preferiu Alberto de Oliveira e Augusto de Lima; o primeiro, por seu panteísmo imagético; o segundo, pelo surto haekeliano da imaginação cósmica. Também os dois luminares do Verso souberam estimar o discípulo amado.

O primeiro, o Príncipe dos Poetas, disse-lhe em carta: – “Seus versos, como as rimas, não cedem em lavor aos mais apurados. Se o tempo, consoante autorizado juízo, não respeita senão as obras em que entra como colaborador, estas Colunas, lavradas com tanto desvelo, não são das que facilmente se derrocam; se tal se desse, até as pedras, as preciosas e sonoras pedras que as formam, clamariam contra o atentado.”

O segundo, cuja memória estará sempre viva neste Cenáculo, pelo impressivo e imprevisto dos seus arroubos panteístas, não foi menos eloqüente: – “Poeta de grande estro, servido por uma imaginação privilegiada, conhecendo bem a língua e sabendo tirar dos temas mais simples os efeitos mais comoventes, o Sr. Luís Carlos tem já pronto um formoso livro a que deu o título de Colunas e em que há versos de uma grande beleza interior e modelados com perfeita maestria.”

Não obstante o seu culto por esses dois nomes gloriosos, Luís Carlos tem expressão própria, como todo verdadeiro artista. Nela é que está o cunho da inteligência ou da sensibilidade pessoal. A expressão poética é a fisionomia da nossa alma. Na poesia, como na Música, a faculdade inventiva é tão interessante ou menos que o processo verbal, com seus arranjos e combinações prosódicas, suas alegorias e símbolos, suas cadências e ritmos. É ela que comunica a quem lê ou ouve a mesma disposição lírica em que o poeta concebeu e viveu intimamente o seu poema. Desde que o verso produza o milagre dessa consubstanciação lírica, isto é, se imponderabilize com a idéia ou com o sentimento que queria transmitir a outrem e consiga transmiti-lo, não vejo como diferençar o pensamento da sua plasticidade expressional, ou seja, a idéia da forma; pois transmitimos nossa emoção a estranhos tal como a havíamos recebido e desejavamos que eles igualmente a compreendessem e sentissem como nós.

Parece, pois, que aquela distinção é mais teórica que real e só tem personalidade estética quem é capaz de se objetivar distintamente, individualisticamente.
O autor de Colunas, Astros e Abismos e Amplidão satisfaz, como raros, essa condição ingênita a toda obra de arte realmente duradoura.

É, por suas faculdades líricas de ideação e estilização, um poeta autêntico.
Mereceu a consagração dos críticos, da imprensa, da elite espiritual das duas últimas gerações.
Mereceu-a, porque tinha emocionalidade inata e sabia comunicá-la. Sua lira foi bem um septicórdio.
Quando quer, orquestra estrofes sonoras e vivas como um brasileiro, estrofes cujos efeitos prosódicos dão a impressão cromática do calor de verão dos meios dias tropicais.

SERTÃO

A canícula escalda... Espadanando adusto
No espaço os raios crus, relumbra, a pino, o fausto
Do Sol. A terra esturra... O vegetal, exausto,
Se estorce, sopesando a ramaria a custo!

Alastra o amplo deserto a estagnação de um susto.
Algares e álveos nus soltam, na ânsia de um hausto.
O bafo bochornal, que exsica o solo infausto.
Tudo estarrece, ao sol, num sofrimento augusto!
Um boi galgaz estrinca, ao longe, a agra caatinga.
Numa heróica ilusão, vingando todo o estorvo,
Em busca de um marnel, onde água, enfim, distinga!

E por sobre a amplidão do panorama torvo,
Num sarcasmo feral, porque o sol já se extinga,
Surge a noite à feição de um formidável corvo!

Quando é outra a sua emoção, este mesmo aguafortista se transfigura no pintor das tardes brasileiras, em cujas perspectivas seráficas parece que o desmaio das claridades tem melancolias a Schumann.

Sossego...  Hesita o Azul... Timidamente,
Vésper espia, no alto, e, embaixo, espia,
Agonizando atrás de uma vertente,
O Sol, entre os troféus finais do dia...

Seguindo o rubro funeral do poente,
A sombra alastra a Altura... O tempo esfria.
Vibram, pelo ar, as coisas sutilmente
Uns vagos sons de estranha melodia...

Calma... Já pela síncope do ocaso
O dia apenas transparece raso.
Espessa, a noite cerra-se e flutua...

No espaço há um calafrio rutilante...
Calma... Como um suspiro do levante,
Entre silêncios vem surgindo a lua...

Qualquer das cordas do seu instrumento produz a mesma encantação. Nesta encantação Luís Carlos teve momentos de pura extasia. A sua intuição de poeta apreende, aqui e ali, motivos, cuja beleza realiza com imagens ou analogias inéditas. São verdadeiras criações. Para o seu impressionismo há sempre combinações imprevistas no mundo sensível. Sabeis, meus Senhores, que a razão conhece o mecanismo lógico dessas combinações ou correspondências; porém, somente a curiosidade intuitiva pura e divinatória do poeta entrevê ou julga entrever essas afinidades esotéricas das coisas. Não só das coisas consideradas objetivamente, mas das suas relações com a nossa imaginação criadora, em cujo espelho interior como que tudo se reflete, integrando-se à pura espiritualização. Para interpretar e exprimir esses estados de alma é que os poetas se servem de processos indiretos, sugestões, imagens, metáforas. A metáfora é uma ênfase lírica. Só as almas reférteis de beleza, cheias de graça, isto é, de sensação imediata e de visão instantânea, conhecem esses recursos mágicos de dizer os seus enternecimentos imortais. Para elas cada palavra já é, em si mesma, uma metáfora, senão uma entidade móbil e múltipla nos efeitos de sua significação musical e léxica. É um poeta, e verdadeiro, todo aquele que tem esse dom evocador, revelador ou criador de metáforas – dom que a cultura pode aprimorar, mas que só os deuses conferem. Luís Carlos tinha essa riqueza de metáforas, conseqüência de um temperamento exuberante. Tinha-a nos livros de versos, como nos outros. No prosador de Encruzilhada e do Rosal de Ritmos há toda a floração verbal do poeta de Colunas, Astros e Abismos e Amplidão. O seu estilo é um só. A imaginação é sempre a força dominante no desdobramento dos assuntos. A cor, o som, a luz e a sombra são inerentes à visualidade tropical de Luís Carlos. Para ele, escrever é, antes de tudo, impressionar. Não resiste à eloqüência que Deus lhe deu. O escritor é um pintor. Sua pena é uma paleta e prefere a imagem ao desenho, o esplendor do vocábulo à seqüência fria do raciocínio. Para ele, a emoção é que convence, é que interessa, é que persuade. Para ele o que orienta a inteligência criadora é o sentimento, origem e fim de toda emoção. Para comunicar esse sentimento aos outros, o artista se serve do seu temperamento. Se este varia com os indivíduos, fora um contra-senso criticar tal ou tal autor por ser tal ou qual a sua feição psíquica. Seria o mesmo que obrigá-lo a deformar a própria emoção. Também pensei sempre assim. Por isso, a meu ver, o direito de crítica termina onde começa o senso subjetivo do crítico. Precisamente porque não há mais alta e nobre função na vida literária, é que os espíritos eminentes que analisam e interpretam devem ter toda cautela para não transpor esse limite.
O conhecimento e a emoção neles devem ser tais que se compensem e compreendam, graças à razão pura, a psicologia de cada artista. Só assim serão meritórios os seus conceitos. É com razão que a Sra. Albertina Berta, a este propósito, diz no belo estudo que fez da obra de Olavo Bilac que “nas literaturas adultas, os críticos autênticos granjeiam a admiração e o respeito, a estimação de iniciados e leigos pela afabilidade, pela competência e pelo discernimento”. Se Luís Carlos tinha no sangue a paixão da imagem e da metáfora, o seu estilo não poderia ser outro e suas metáforas nada perderão com isto, desde que sejam como são, espontâneas e perfeitas, isto é, desde que exprimam, como exprimem, ao justo, os seus entusiasmos ou as suas angústias, seus desfalecimentos ou suas exaltações. Há uma virtude da qual o escritor não declina, nem pode declinar: ser ele mesmo, com todas as estranhezas que lhe notem, desde que a sua consciência não o acuse e a sua fé não admita outras inspirações senão as oriundas de seus ditames infalíveis.

Foi esse predeterminismo fatal que impressionou quantos conheceram Cruz e Sousa. Ninguém, como este poeta estranho, viveu entre nós o “Sentido do Azar e o conceito da Fatalidade”, que a argúcia introspectiva de Félix Pacheco viu tão nitidamente no psiquismo inelutável de Charles Baudelaire e do qual dotou nossa literatura ensaísta de um dos mais incisos estudos de crítica psicanalista. Cruz e Sousa também tinha a paixão da imagem e da metáfora. – Paixão irresistível e que era, de certo, o tormentoso fragor de seu sangue de Dante Negro. Os Guelfos e Gibelinos da Crítica o desdenharam por seus excessos verbais; mas a sua locução não podia deixar de obedecer à passionalidade arterial das suas volúpias e tragedismos atávicos. Felizmente os admiradores íntimos, Tibúrcio de Freitas, Félix Pacheco, Saturnino Meireles, Nestor Vítor, Maurício Jobim, Castro Menezes, Paulo Araújo, Gonçalo Jacome, Carlos Dias Fernandes, Euricles de Matos e outros lhe salvaram as obras que foram todas editadas e exalçaram-lhe o nome, que a revista Rosa-Cruz ostentosamente glorificava em cada publicação. Hoje, graças à evolução geral das idéias e aos sacrifícios pessoais que concorreram para ela, a crítica já é mais humana e aprecia, compara, comenta, pondera, coteja diferenças e julga, muita vez, com simpatia surpreendente as concepções mais esquisitas. Antes assim. “Há certamente erros estéticos, diz Edmond Barthelemy, mas mesmo as literaturas em que excedem, as coisas não são tão falsas como geralmente se pensa.” Parece-me que a crítica está adotando mais ou menos este conceito eclético. Antes assim, repito, porque tudo leva a crer que a preeminência de imaginação e de sentimento é que individualiza as nossas ideações e realizações artísticas, imprimindo-lhes forma e significação originais. O caráter de cada escritor, isto é, o que há na sua natureza emocional fundamentalmente inflexível às contingências externas, têm de se trair nas suas obras como na sua própria fisionomia; porque, pois, lhe desmerecer a expressividade real, quando não pode ter outra, se for sincero ou não confundir arte com artifício, estilo com virtualismo sintático?

A falta deste critério foi que levaram tantos espíritos ilustres a acusações injustas ao Romantismo, considerado por eles mesmos como uma atitude filosófica, uma espécie de afetação voluntária dos próprios sentimentos.

A verdade é que o Romantismo era, antes de tudo, uma crise sentimental dos homens de 1830, tal como a rapidez poderá também ser diagnosticada amanhã como um mal do nosso século de naus-aviões e cavalos-motores. Tanto assim era que cada poeta imprimia às suas locubrações um timbre unipessoal impossível de ser confundido com o de qualquer dos seus êmulos. Musset, Victor Hugo, Lamartine, Théophile Gautier, todas essas almas de gênio são tais justamente pela pessoalidade que cada qual comunicava a seus versos em tudo semelhantes aos de seus pares, menos na substância íntima dos ritmos. Esta consideração pode ser feita relativamente aos parnasianos. Leconte de Lisle, Heredia, Sully-Prudhomme, Catulle Mendès são tão admiráveis na perfeição escultural das estrofes, quanto inconfundíveis na virtualidade emotiva que os distingue entre si. Vê-se, por aí, que o versilivrismo não surgiu da carência de outro instrumento capaz de pessoalizar os executantes, mas por motivos de natureza psicológica e que talvez coincidissem com a nova orientação filosófica a que Bergson acabara imprimindo tanta beleza dialética e subtileza persuasora.

Não há, pois, como desdenhar a forma literária porque seja linear e subtil, como em Machado de Assis ou transbordante e ruidosa, como em Castro Alves, Olavo Bilac, Cruz e Sousa, Luís Carlos. O temperamento será sempre a dominante psíquica entre as múltiplas energias que concorrem para a formação do que pensamos ou sentimos. O de Luís Carlos poeta e o de Luís Carlos prosador revela-se o mesmo, sem que deixe de lhe caracterizar especificamente as estrofes e os períodos, segundo imperativos estéticos que tornam antônimas as duas formas de elocução. Realmente há prosa e verso. Nenhuma inteligência confunde emoções de natureza tão diferente. A mesma individualidade pode sentir uma ou outra e exprimi-las com as mesmas vibrações emotivas, mas estas não teriam forças para lhes desvirtuar o estilo e os fins específicos. Os grandes poetas e grandes prosadores, como Bilac e Humberto de Campos, são igualmente sonoros e claros em todas as lavras da sua pena prismática: poesia, conferências, crônicas, novelas. A elocução lhes vem da mesma fonte de encantações verbais. Apenas é onímoda.

*  *  *

Foi Castro Menezes, cuja morte prematura privou nossa geração do seu talento mais fulgurante, quem primeiro me falou de Luís Carlos.
– Não o conheces? pois é um grande poeta. Substituiu – porque Luís Carlos é engenheiro – o  Pégaso pela Locomotiva.
Aludia, sem dúvida, à exuberância do seu estro. E contou-me, com a verve de seu espírito expansivo, como o conhecera em São Paulo. Fora ouvir Luís Carlos a propósito de tarifas da Central do Brasil e passaram, em seguida, a palestra, durante a qual descobrira o poeta.
– Um poeta autêntico e dos maiores da nossa grei.
Meses depois Luís Carlos vinha desempenhar, no Rio, na alta administração daquela Estrada, as funções de Chefe do Movimento. Fui recebê-lo e abraçamo-nos, como velhos amigos, porque Luís Carlos já havia lido o meu livro Solitudes. Daí por diante a convivência estimulou cada vez mais a nossa cordialidade. Durante o dia, era o trabalho em comum na repartição. À noite, o entretenimento literário em sua vivenda. Verifiquei que Castro Menezes não lhe exagerara os méritos. Fizemos a leitura do seu grande livro Colunas, cujos sonetos e poemas ainda estavam manuscritos e emendados, corrigidos, denotando tudo sério labor e viva ansiedade de perfeição. O meu entusiasmo por um poeta de emoções tão espontâneas e expressões tão corretas induziu-me à idéia de procurar-lhe editor. Luís Carlos não acedeu senão depois de muita insistência minha e reiterada afirmação de que seria absolutamente triunfal a sua estréia. Apresentei-o ao livreiro Jacinto dos Santos, que se louvara no calor dos meus prognósticos. E jamais esqueci o meu desapontamento nessa ocasião; pois, enquanto o editor se regozijava com a preferência que lhe dava o editando, Luís Carlos fazia tudo para convencê-lo dos grandes prejuízos comerciais que possivelmente lhe poderia causar.

– Compreendo perfeitamente, dizia o Jacinto. O Sr. Dr. Ainda não é um nome lido nos jornais e revistas daqui. Mas eu sei que é um grande poeta.
– Pois bem! concluiu Luís Carlos, depois de longa reflexão: assinaremos o contrato, uma vez que fique explicita a obrigação da minha parte de reparar os prejuízos que porventura o amigo venha a ter.
O Jacinto olhou-me espantado. Na sua longa vida de trato comercial com autores inéditos, certamente nunca encontrara um só que lhe fizesse exigência de tal natureza: reembolsá-lo de possíveis prejuízos nas respectivas publicações.

Percebendo-lhe o espanto, intervim: O Dr. Luís Carlos é assim mesmo.
– Sem dúvida! exclamou Luís. Nunca me conformaria com a idéia de ter prejudicado a quem, como o nosso amigo, tão generosamente confia no meu nome.
O Jacinto concordou, como se vê, com a cláusula leonina e recebeu os originais.

O livro foi dado à publicidade, com extraordinário êxito de livraria e de crítica, êxito que, aliás, ele já tinha obtido nesta mesma Academia, na memorável sessão em que o nosso mestre Augusto de Lima tão eloqüentemente atraiu a vossa atenção para o grande poeta, cujos sonetos mereceram a honra da sua leitura e a glória dos vossos aplausos. Foi o grande acontecimento da vida literária de Luís Carlos. Viu, sentiu, compreendeu que a Academia Brasileira o recebera de alma aberta, sem nenhuma prevenção contra a sua engenharia, reconhecendo que ele realizara o milagre de harmonizar os ruídos mecânicos da locomotiva com os ritmos vivos do coração. Ele os conservou em equilíbrio, uns e outros, graças ao domínio que tinha sobre si, como técnico, e a sua justa intuição de beleza, como poeta. Tudo no homem, como no autor, guarda essa mesma equivalência. Perfeita harmonia de sua varonilidade plástica e sua sensibilidade. Força e bondade proporcionais. Combinavam-se, ao justo, nele, a gentileza e a cultura. A ética profissional não lhe alterou a afetividade. A hierarquia fê-lo menos um chefe que um ídolo dos homens mais desiguais pelas origens e condições. Numa hora em que se discutia toda autoridade, a sua era um dogma para a multidão dos funcionários e operários da maior ferrovia nacional. É que essa autoridade tinha o seu fundamento na única lei que todos respeitam: a equanimidade. A equanimidade era o segredo aberto de sua vida, como foi e é toda a beleza de sua obra.

Não pude, Senhores, diferençar uma de outra. Verifiquei, durante longos anos de convivência quotidiana, que as ações do homem nunca divergiram dos sentimentos do poeta. As suas palavras eram tão belas como os seus atos. Com as primeiras abriram-se lhe as portas deste cenáculo; com os segundos afeiçoaram-se lhe todos os corações. Foi uma vida tão ilustre pelas obras, como edificante pelos exemplos. Em Luís Carlos equivaliam-se a Bondade e a Inteligência. Nenhum homem, como sabeis, pode ser apreciado fora das influências em que nasceu e se lhe cultivou o espírito. Essas influências são múltiplas. Não lhe alteram, talvez, o caráter; mas ou se harmonizam ou se não harmonizam com ele. Nesta última hipótese é preciso uma rara longanimidade, para que os indivíduos superiores conservem intangíveis as excelências do espírito, embora já estejam elas no sangue e constituam a razão atávica do seu destino ulterior.

A pluralidade das aptidões implica as desigualdades das condições individuais e sociais, causa das revoltas e conflitos de toda espécie. Mas isso é conseqüência de nossa condição de seres incompletos e imperfeitos, seres que só a ação redentora da Dor pode melhorar, induzindo-os à Consciência Universal de sua verdadeira destinação. Harmonizar neste sentido as inclinações e as idéias gerais, é a aspiração da Pedagogia, tão eficiente nas almas nobres, quanto precária nas inferiores. Estas vão resistindo a todos os recursos da Escola, mas nem por isso deixam de evoluir consciente ou inconscientemente pela própria ação do tempo. Essa evolução é lenta. A grande maioria fica sempre muito longe de compreender a elite dos contemporâneos. Daí, o drama íntimo de certas almas em seu convívio com a gente vulgar. Os poetas viveram esse drama em todos os tempos: uns ruidosamente, outros em silêncio. “Não ser conformista! eis o grande crime”, exclamava Baudelaire. É o grito de todos os verdadeiros artistas. Eles têm um ideal e é a multidão que deve subir para aplaudi-lo, e não eles descerem para lisonjeá-la; porque, para os artistas só há uma hierarquia: a inteligência. Toda a gente a encarece e deseja, mas raros a reconhecem e estimam.

As idéias e realizações deste século impressionante transformaram as condições sociais, mas não melhoraram a Psicologia individual. O acréscimo, que nos trouxe ele, em riquezas e utilidades, não compensa a cupidez mórbida em que nos lançou e a evolução da inteligência tornou mais lúcida e lancinante a nossa emotividade. Se há mais rumor e beleza na vida, o anelo de tudo absorver é mais insopitável, e a dor das possíveis decepções dos que confiam na própria coragem, e abatem, adquiriu acentos de angústias e inquietações jamais suspeitadas pela acuidade da tragédia clássica. É bem verdade, Senhores, que o homem moderno pode dizer com Goudal: “Este planeta não é tão desproporcional com o ser que o habita. Já é possível abrangê-lo todo de uma só vez. O avião pode fazer a volta ao mundo em alguns dias. Um radiograma nos informa de tudo quase instantaneamente. Conversarei, em breve, com meus vizinhos antípodas e o cinema me apresentará, na realidade viva dos minutos, os mais longínquos acontecimentos.”

Sim! É bem verdade que a técnica fez tudo isso, mas prejudicando a atividade das energias afetivas, mas levando o Mundo ao caos deste momento de apreensões, para o qual não se discerne solução, mesmo porque o homem medíocre domina a massa igualitária e há crise de gênio como carência de fé. Viver intensamente essas tribulações da alma moderna e guardar, como um príncipe, nas palavras e nos atos, nos motivos e nos gestos, a fé jurada ao gênio da Raça – eis aí uma excelência de espírito que explica a admiração humana pela figura fraternal de Luís Carlos. Ele soube ser uma afirmação cristã da nossa gente. Numa hora negativista, de confucionismo invasor, quando a inexperiência dos moços se deixava contagiar pelo mentalismo infrene dos iconoclastas, ninguém melhor do que ele soube ser brasileiro na ternura por nossas coisas, na magnanimidade de nosso caráter, na confiança em nossa índole, na certeza da vitória de nossa têmpera de três raças caldeadas nas rudes etopéias marujas, no sacrifício do sangue líbio e na intrepidez nativa do gênio selvagem. A sua ascendência pessoal, nesse sentido, foi tanto mais viva quanto a nova geração o queria e admirava, como uma síntese que era, da força e da indulgência – as duas linhas verticais da Brasilidade. É, pois, para mim, um grande contentamento proclamar um ser tão nobre e comentar a imaginação, a suntuosidade verbal e a ternura lírica da sua obra literária. Se a vida de Luís Carlos foi tão edificante de bondade, a sua literatura não foi menos eloqüente de beleza. Para Luís Carlos nada existe sem uma razão de ser. Graças a essa simpatia por tudo, sua Musa é rica de imagens novas e imprevistas. A crítica dificilmente encontraria um livro, como Colunas, no qual a alma do Poeta e do Homem estivessem em tão perfeita correspondência. Luís Carlos mereceu da Fortuna, sempre tão avara para os artistas, esse equilíbrio quase providencial do espírito e do coração. Tudo em seus poemas é harmonia da razão e do sentimento, da idéia e da forma, da inteligência e do instinto. Vivendo numa hora tão atormentada e entre outras almas tão diferentes, a sua soube manter, inalterável e pura, a mesma poesia de nobre elevação, culto a estética da língua, amor à forma perfeita e paixão por todos os anseios da criatura humana no que ela tem de excelente nas idéias, nos sentimentos e nas exaltações magnânimas.

A compreensão filosófica que tínhamos da vida era a de duas almas afins. Eu não posso deixar de recordá-la neste momento votivo.
Toda a beleza espetacular do mundo visível, com o ritmo eterno das estações, com o múltiplo esplendor dos dias e a solitude misteriosa das noites, nada significaria para nós, se não fosse uma representação profusa do nosso espírito. Em si mesmas as coisas não têm realidade emotiva. É a sua correspondência com o cérebro e o coração que as torna interessantes ao nosso destino. Excluído da vida moral, que é uma volúpia do perfeito, o universo seria um grande nada.

É nossa natureza imortal que lhe ausculta as forças latentes, estuda-as e compreende, como nas folhas de um livro de ilustrações, os signos vivos deste mundo. A poesia não está nas coisas, mas em nós. Só tem substância eterna aquilo que nós sentimos. É nisto que estão a nossa grandeza e a nossa miséria. E a Poesia é precisamente esse diálogo de esfinges entre o Homem e a Natureza. Pouco importa que os espíritos fáceis desdenhem dessas cogitações. Elas não são frutos da Vaidade. Como atribuir à vaidade a avidez de conhecer a vida para gozá-la em toda a sua plenitude feliz? Esse desejo é a substância mesma de toda ideação.

A ciência é ele realizado ou realizando-se no mundo das conjecturas, como a Arte e, especialmente, a poesia, é ele feito volúpia dos sentidos e do espírito, exaltação, desespero, arrependimentos, remorsos, fome e sede de santificação.
É certo que hoje, mais que nunca, a humanidade parece entregue exclusivamente a paixões e a instintos de outra ordem. Mas notai bem que ela não é sincera. Pelo contrário. É uma fase de transição, que estamos passando nessa crise de alma humana, nessa paixão de riqueza material que faz da vida intensa uma tragédia de todo instante. Tanto é verdadeira esta impressão que os homens em sua generalidade pensam e sentem de um modo, agem e realizam de um outro. É o desacordo entre a consciência e os atos, impressivo sintoma de uma civilização incoerente. A vida não é, não pode ser essa obsessão do Rei Midas. Há interesses legítimos, como os há ilegítimos. Os primeiros não exigem, nem justificam a desarmonia entre os atos e a dignidade de seres livres e nobres. É essa noção do verdadeiro utilitarismo que o nosso século esqueceu. O que todos vemos, no geral, é a simulação e a dissimulação, ao invés de sentimentos equânimes e fraternos. Todo um sistema de pragmáticas e fórmulas desvirtua os intuitos e as aspirações superiores.

Multiplicam-se, assim, as causas de aflições, os motivos de desgostos, e as almas delicadas têm a sensação de vazio num mundo alheio a todos os bons pendores e onde tudo é instabilidade, inquietude, angústia, vertigem, insatisfação. Por isso mesmo a nossa sensibilidade tomou proporções desconhecidas e a poesia de agora, a poesia moderna, tem acentos de profunda melancolia.
O mundo, Senhores, é uma matéria plástica para a nossa imaginação. Trabalhá-la a camartelo, vivê-la na realidade impressiva das tintas, transformá-la nas retortas dos químicos, transfundi-la no milagre audível da música, estilizá-la como Flaubert, dar-lhe a eloqüência litúrgica das Basílicas e, na síncope do verso, imprimir-lhe o ritmo do próprio coração, – eis o grande dever, a nobre missão messiânica da Inteligência.

A Graça divina não nos deu somente a Vida, mas também esse vasto cenário de maravilhas para a volúpia insatisfeita da nossa curiosidade. A virtude estética está precisamente em saber contemplá-lo e exprimi-lo.
O poeta é uma voz íntima de tudo isso. É um temperamento autêntico, um revelador e um refletor do eterno. Para tanto não lhe basta a maestria da composição. É preciso que esta lhe brote das estrofes animada da própria substância cardíaca dos ritmos... Como um ser vivo que é, se a sua composição não trouxer da gênese espiritual condições intrínsecas de seu próprio sangue, os versos não resistirão às vicissitudes do tempo.

A finalidade do Poeta é imanente. Como os temperamentos são tantos quantos são os homens, a poesia tem necessariamente de apresentar múltiplos, indefinidos aspectos. É tão natural a poesia da dor como a do entusiasmo, como a de quaisquer outras efusões líricas ou dramáticas.
Na Arte, como na Vida, não há hipocrisia impune. Iludem-se os intrusos que pensam confundir a multidão com uma angústia fingida ou que não tem raízes vitais em sua natureza imortal. Direi o mesmo dos temperamentos tristes que pretendem dissimular seu próprio psiquismo com uma efusão eufórica tanto mais débil quanto menos espontânea.

Sem sinceridade é impossível comover, persuadir, exaltar.
O artifício não dura mais que um minuto. Trai-se a cada instante. Pode, quando muito, criar fantasmagorias verbais. Nunca fará estilistas e, muito menos, poetas. Deslumbrará ingênuos ou leigos; mas será sempre vaidade, frivolidade, habilidade, invencionice. A poesia não é uma vaniloqüência e só aqueles que não são poetas, por fortuna ou infortúnio, poderiam julgá-la uma sublimidade ilusória.
Há almas que vivem e morrem de êxtases e de enternecimentos. Como compreendê-las? Como defini-las? O que delas sabemos é somente o que têm de visível. Ignoramos, ignoraremos a sua verdadeira substância, que é um segredo inviolável para elas mesmas. Luís Carlos era uma dessas almas. Tudo conspirou para fazê-la plenamente feliz. Tê-lo-ia sido? Não sei.

Para além da concepção egoística de felicidade há em certos seres eleitos carência absoluta de outros bens irreconciliáveis com as contingências planetárias. Também essas criaturas não são tão ingênuas que se recriminem ou culpem o mundo por serem tais. Preferem a resignação estóica à rebeldia estéril. Para elas, como disse Luís Carlos, o triunfo máximo está em florescer a frutificar em bondade e beleza, sejam quais forem as intempéries de cada dia. Pouco lhes importa o mais. Infelizmente a trepidação da vida raro permite que elas se mantenham na plenitude de sua espiritualidade. Daí, essa tristeza tácita, cuja causa obscura elas mesmas não percebem. Era o recôndito mal que Luís Carlos sentia e aceitava sorrindo como uma condição necessária à própria perfectibilidade. Dele, nele e por ele viveu, sofreu e morreu, cercado da glória de “profeta da Beleza e apóstolo da Bondade” na síntese feliz de Gustavo Barroso:

SUPREMO TRAVO

Esta muda tristeza indefinida,
Que prematuramente me envelhece,
Dando-me ao ser a contrição da prece,
Dando-lhe à vida a sombra da outra vida;

Este surdo pesar, que me intimida
E o ânimo quente, aos poucos, me arrefece,
Colhendo lágrimas em larga messe,
Sempre à mesma recôndita ferida;

É a condição da minha essência humana
E sente-a, apenas, quem, no curso incerto
Da existência falaz, nunca se engana;

Quem não vibra à ventura, que tem perto;
Quem, no seio de alegre caravana,
Compreende a sós a mágoa do deserto.

Este supremo travo, sentimo-lo também todos nós que vivemos esta hora espectantemente interrogativa. Como não senti-lo num momento de desespero das idéias e paroxismo das ações? Se os métodos, se as fórmulas, se as sínteses de nossa cultura cristã vacilam contra a anarquia dos instintos, como não sentir esse supremo travo? Por absoluta que seja a confiança no futuro da Ciência, não é menor a angústia de respirarmos um outro ambiente cujas impressões nos desolam de tão estranhas à atmosfera normal de nossa alma. Felizmente, como diz Joaquim Gasquet, há uma lei de constância lírica que mantém em estado de virtude poética as sociedades decadentes. O poeta é o intérprete dessa lei de constância lírica. Inda que tudo vacile, a virtude recôndita da vida vibrará sempre nos entusiasmos ou nos desfalecimentos das suas estrofes. Vibrará com essa espontaneidade que não trai os corações e antes os identifica no mesmo sentido oculto do Destino. Sendo assim, pouco importa que as impressões, as emoções, os conceitos do poeta variem segundo a percepção de cada um. Nessa variação é que está a sua riqueza emocional. Seus desesperos ou suas resignações, suas crenças ou suas dúvidas involuntárias são outras tantas manifestações subterrâneas da beleza viva.

Bergson, concebendo a evolução criadora, teve um desses instantes de intuição profética, e o poeta não é mais que a expressão sonora dessa vertigem das almas e das coisas. Na coragem do seu sangue ardem todas as energias da Raça. Ele mesmo não atina com as causas incógnitas desses frêmitos fecundos; mas obedece às suas influências recônditas como a tudo que é determinado pelo seu gênio. O poeta pode não ser compreendido, porque nem todos os homens estão no mesmo grau de lucidez espiritual. Mas a sua voz será sempre anunciadora de uma verdade que a Ciência dirá cedo ou tarde. Há, com efeito, dois meios de conhecer: a intuição poética e a observação material. “As diferenças existem, diz Duhamel, mas somente na base; e no supremo céu da Idéia, Claude Bernard está sentado ao lado de Dante.”

Aquele que trouxe das origens essa angústia de ser, não pode fugir às intranqüilidades e fragilidades do coração. Sua natureza eminentemente comunicativa tem carência de viver todas as alegrias e todas as lágrimas, porque todas as criaturas são igualmente dignas de amor e de piedade. A poesia é também um ofício divino. O ritmo é o ritual de suas oblações líricas.

Deus, com a sua presença invisível e a sua misericórdia por nossas fraquezas, assiste, de certo, à consagração mística da alma e do sangue propiciatório do Poeta. A inspiração é uma graça. Para alcançá-la ou merecê-la é preciso sofrer, como é preciso amar, e a alma do Poeta, como a Natureza no verso de Da Costa e Silva, é “tanto mais virgem quanto mais fecunda”.
Sim! A Poesia é uma obra de Arte e de Fé, – uma obra de verdade e beleza ao alcance de todas as almas. É a revelação do Perfeito e do Imortal, tanto quanto podem caber um e outro nos movimentos rítmicos de uma estrofe:

Para além das virtudes transitórias;
Do luxo, dos brasões, do ouro e das glórias;
De tudo que é grandeza entre os mortais,
Há nossa estrela eternamente acesa,
Iluminando a mística beleza
De sóis e céus que não terminam mais...

Não creio que essa estrela se apague como as outras. Sejam quais forem as perspectivas futuras, o homem de amanhã viverá, como nós, os dramas da Razão e do Sentimento; sentirá as mesmas vertigens ou os mesmos deslumbramentos diante da Natureza e se auscultará com a mesma perplexidade com que nós outros nos auscultamos. Sua estrutura será mais forte que a nossa e seu cérebro talvez trepide como um dínamo. Outra vontade, outras forças, outras energias, outras ações e reações psíquicas lhe darão certamente outras impressões do mundo sensível e novas e imprevisíveis concepções do Amor e da Morte. Mas nem por isso deixará de ser o mesmo joguete das realidades e das utopias. Sua imaginação refletirá sempre, como as “Kodacks”, as mesmas aparências falazes e sua volubilidade continuará eternamente insatisfeita consigo mesma. Permanecerão, pois, nos séculos a vir, os motivos íntimos dos outros séculos e a Poesia prosseguirá a sua missão civilizadora.

Senhores: há na minha sala de estudos uma cabeça de Cristo. É de Leonardo Da Vinci. Não precisaria dizer que é de um gênio, tal a sua estranheza. Para concebê-la e realizá-la, fora mister que, ao menos, no momento sublime, o Artista vivesse a Divindade tangível do único homem sem culpa. Só a Arte é capaz desses prodígios. Como os processa, nenhum alquimista da inteligência o saberia. Quero crer que o próprio Da Vinci quedava, muitas vezes, maravilhado, diante dessa imagem. É que já tinha descido do Tabor. Sim! a Arte é uma transfiguração. Transfiguração interior das almas de gênio para as outras. Aquelas são a única luz que não é deste mundo; estas, o espelho material que reflete ou refrata essa luz. Umas são a Aristocracia que nos provisiona de força, paciência, fecundação, vontade, coragem, ciência e beleza; as outras são a multidão que escuta, espera, sofre, confia, admira.

Encontraríeis na Paraíba, a Verônica do Nordeste, representantes autênticos dessa Aristocracia. Há entre os meus conterrâneos, gente de vontade heróica e consciência do dever, característica de sua psicologia nordestina, tão bem estudada pelo grande tribuno Castro Pinto, estadistas, jornalistas, oradores, romancistas e poetas, a cuja fama evidente deve a nossa Cultura legítimos títulos de glória intelectual. Preferistes a tantos valores notórios um nome que só tem este mérito: haver sido fiel à sua própria destinação. Eu vos protesto, a todos vós, Senhores Acadêmicos, e ao meu Paraninfo, com sua oração constelada como a sua alma, o meu reconhecimento, e vos reafirmo a minha paixão de vida e morte pela Beleza.

É meu tormento. Chamam-lhe poesia,
Arte do verso. Chamo-lhe o madeiro,
A Cruz da minha noite e do meu dia.

– Cruz em que verto o sangue verdadeiro,
E em que minh’a1ma em transes agonia,
E o coração se crucifica inteiro...