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Discurso de recepção

Discurso de recepção por Alberto de Oliveira

RESPOSTA DO SR. ALBERTO DE OLIVEIRA

SENHOR Goulart de Andrade:

De um herói e arcebispo, que o foi também e da mesma terra do primaz das Espanhas Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, conta-se que, vendo uma estátua que o representava sem a cicatriz de uma cutilada no rosto, recebida na guerra, levou da espada, e brandindo-a, deu à face esculpida o sinal glorioso que lhe faltava.

Foi isso objeto de uma sessão da Academia dos Anônimos, de Lisboa, e sucedeu destoasse ali, pelo conceito, de tantos outros assuntos, frívolos ou ridículos, que eram por essa época propostos à glosa erudita nesta e congêneres associações de então.

Era o tempo em que sujeitos doutos e respeitáveis, fidalgos, validos e conselheiros de Estado gravemente se reuniam e por largas horas, repetenados em suas cadeiras de espaldar, discreteavam em linguagem por um chamada de prosi-métrica sobre (ouvi que elevados temas!) “uma dama que desmaiou, dando-lhe seu amante um ramalhete de perpétuas”; outra que igualmente, “desmaiou vendo-se a um espelho”; ainda outra que, “ferindo fogo, lhe saltou uma faísca no peito”. E quase tudo o mais conforme a este belo teor.

Um dos anônimos, posta a questão, discorrendo no estilo peculiar da época, condimentado de concetti, trocadilhos e equívocos, achou que “o arcebispo, dando um golpe na estátua, deu a conhecer que só estava mais próprio donde o valor o mostrava assinalado...” “Fora culpável descuido – diz ele – não tornasse a abrir a espada na estátua aquela boca que no original fechara a cirurgia”, conceito este por outro acadêmico assim externado em verso:

Agora está parecida
Vossa estátua; herói augusto!
Agora, sim, que animado
Explica do bronze o vulto
Pela boca da ferida
Do valor os testemunhas!

Acode-me esta reminiscência literária ao atentar no perfil por vós bosquejado do ilustre Almirante, cuja cadeira nesta Academia passais a ocupar. Fosse ele vivo, como aquele guerreiro e arcebispo de Braga, e acreditais sorrisse satisfeito, vendo-se em vossas palavras representado como em fiel espelho ou estátua? Homem vaidoso, como no-lo mostrais “no estado apolíneo de embelezo”, “gostando sobretudo de se mirar”, Jaceguai certamente protestaria não ser ele esse “acurvado vulto, sem entono marcial, a arrastar-se apoiado à grossa bengala, com as artérias já esfriadas pela velhice e os olhos amortecidos na albugem”.

Não! nesta solenidade em que lhe recordamos o nome, não me parece seja esta a figura que aqui deve ser invocada, ou se o é, falta-lhe, como a cicatriz à estátua do herói português, alguma coisa que é tudo para a representação gloriosa daquele cujo panegírico acabais de fazer: falta-lhe a sua beleza épica, o aspecto mavórtico, o alinho e apuro do militar, ou, e com o seu vigor e garbo viril, a melhor parte de si mesmo, que ele acabou perdendo, mas não se perdeu para nós, quando o imaginamos nos grandes dias de triunfos, a um tempo seus e da Pátria.

Esse que vós, aspirante da marinha, conhecestes em 1900 na Escola Naval, e aqui nos apresentais, não é propriamente o herói de Humaitá, o “barão da frente” da ode de José Bonifácio: é uma sombra, a sombra de um corpo quase ermo da alma, ou o “sepulcro de si mesmo”, segundo o verso de Teixeira de Melo.

A glória tem o seu sol de meio-dia, e é à luz dessa hora, e não à do declínio ou à de um poente quase sem raio, que devemos ver e admirar os que ela vestiu de seu esplendor.
Feito este breve reparo, que me permitireis, ao vosso discurso, passo a dirigir-vos as palavras de estilo, recebendo-vos nesta Casa. E ora confesso a minha inaptidão para dizer-vos compridamente em palavras o que estreitmente vos poderia significar num abraço: sede bem-vindo!

A inaptidão é de quem nunca exercitou este gênero de letras, por lhe conhecer as dificuldades e se reconhecer sem pendor para ele. Mas com o escritor, a quem me cumpre saudar, havendo em vós o companheiro que, privando comigo, sabe quão fundada e sincera é a confissão, fico me desculpará este perante si mesmo e o público.

O escritor em vós, Sr. Goulart de Andrade, é primacial e essencialmente o poeta. Outras partes se louvam em vossa pena, desde a de autor de composições teatrais às de cronista e romancista, as quais todas vos revelardes verdadeiro homem de letras. Aquela, porém, a de poeta, a qualidade apolínea por excelência, é o título mais belo, o vosso melhor pregão de escritor.

Poeta vos conheci há mais de três lustros, nos agraços da juventude, quando o alvoroço interior das paixões mal permite assentar-se bem a mão nos entretalhos da expressão escrita. Trazíeis-me então os vossos primeiros versos – uma escátula de rimas, a qual mais lucilante e formosa. Outros foram produzidos depois e fui conhecendo nas comunicações da amizade até que ultimamente, e enfeixando os melhores, saiu o volume das Poesias.

Tive o prazer de saudar-vos e ao livro com alguns versos, dizendo-vos em linguagem cabível nestes e dispensando-me de o prefaciar, que “ao Sol não é preciso o conduzam ao meio do céu para que o vejam todos em sua luz”. Disse o que se me antoalhava, e folgo não me haver enganado. Era em 1907, vai quase em dez anos Tacharam-vos para logo comparte de parnasianos ou andando estas cousas umas sempre em contrário de outras, infenso às inovações de decadentes ou simbolistas. Tais filiações de escolas de poetas pouco adiantam aos que deveras o são; o essencial é ir cada um com o que a natureza lhe pede.

A vossa pendeu para onde se desvelavam alguns espíritos, buscando a beleza da expressão em seus trabalhos, ou para o que, talvez com exagero, se acertou de chamar aqui, depois de chamar-se em França, “culto da forma”.

Pendeu, pois, para o Parnasianismo! Mas precisamente entre nós nunca houve Parnasianismo. Houve, sim, por influxo deste, um desvio da corrente poética que, engrossada a princípio dos melhores cabedais românticos, rolava ultimamente rasa e desfalecida. Houve substituição a melhoria de alguns ideais, a dos elementos de elocução, pureza vernácula, e tudo o mais tocante e essencial ao meneio do verso. Houve isso e a demais disso o alvoroço e entusiasmo próprios de moços. Não se procurou abafar à poesia o seu sentimento, como sem observação e de má vontade se tem afirmado: procurou-se, sim, esmondar o que nela havia sobre fútil, exagerado ou artificial.

“A poesia subjetiva chegara efetivamente aos derradeiros limites da convenção, descera ao brinco pueril, a uma enfiada de cousas piegas e vulgares; os grandes dias de outrora tinham positivamente acabado e se de longe algum raio de luz vinha aquecer a poesia transida e debilitada, era talvez uma estrela – não era o sol.”

São palavras de Machado de Assis e já para este valioso depoimento apelei em outro lugar.
Nova geração acudiu a tempo, fatal e necessária, a este estado de cousas.
Tomou-se desde então mais a sério o oficio de lidar com a palavra, o que não foi senão repor em seu lugar este ofício ou arte, sempre reverenciada dos bons espíritos, e não direi o “culto da forma”, mas o empenho de bem escrever, aprimorando esta ou expurgando-a de vícios que a desfeiam, tornou-se mira principal dos poetas de então.

Pendeu para aí a vossa natureza, Sr. Goulart de Andrade. Não sois propriamente um parnasiano, porque este nome mal vos cabe ou a qualquer de nós. Sois um poeta de boa educação literária. Do gosto pelas regras da arte e bom-senso, vosso livro de estréia deu-nos desde logo sobejas provas; outras ascreceu, acrescendo o vosso valor, a coleção aparecida mais tarde sob a denominação antitética de Névoas e Flamas.

Digam os que me dão a honra de ouvir se não são do mais fino gosto estes versos:

PERFUME
É tão cheiroso o teu véu,
Que ao vê-lo a gente presume
Que não é véu, é perfume.
VOLTAS
Teu véu, desejada minha,
De tão leve e transparente,
Menos se vê que se sente,
Ou melhor – mais se adivinha.
Nele tanto olor se aninha
E é de névoa tão escassa,
Que através dele se passa.

Foi-se esgarçando, esgarçando,
Tornou-se aéreo, tornou-se
Fluido de essência tão doce,
Que já nem sei como eu ando...
Doído sou que estou pensando,
Tanto aroma em si resume
Que teus um véu de perfume.

E ao sorver o delicado
Cheiro teu indefinível,
Creio que o véu invisível
Em mim, ficou enrolado...
Eis porque penso, anjo amado,
Que sentido o olor do Céu,
Vivo dentro do teu véu.

É um vilancete e obedece ao velho preceito que exigia de toda cantiga:
1.o) ter assunto aceitável, boa razon ou suma de razon;2.o) estar bem rimada, tendo consonâncias puras e não meros assoantes, como a trova popular; e 3.o) não ser desigual ou desiguada (cit. de C. Michaelis).

É um vilancete, como os sabeis fazer, e os já faziam poetas do Cancioneiro geral, inclusive o dos Lusíadas, cuja Calíope não se dedignava descer do remonte épico a estes brincos amatórios do redondilho. Vós também, para celebrardes um véu de mulher, e seu perfume, baixastes, da Tróia negra da Serra do Barriga ou mais alto, da torre de uma Babel de trinta andares... e alexandrinos.

Depois do vosso vilancete, já que a Luís de Camões coube referência, vem de molde dar de autoria dele uma destas fugitivas composições, para que se veja como um e outro vos haveis em tais diversões, à guisa do espadaúdo Tebano, que, após sobre humanos trabalhos, despe um dia força e bravura, e amoroso e cativo toma a estriga assedada e se reclina fiando aos pés de Ônfale.

É o vilancete da janela e da funda:

Pus meus olhos num funda,
E fiz um tiro com ela
Às grades de um janela.

VOLTA
Uma dama de malvada
Tomou seus olhos na mão
E tirou-me uma pedrada
Com eles ao coração.
Armei minha funda então,
E pus os meus olhos nela:
Trape! Quebrei-lhe a janela.

Se vos não cabe a glória da restauração desta forma de composição poética (antes de vós, ultimamente entre nós outros a exercitaram, e destes estou a lembrar-me aqui do nosso saudoso Guimarães Passos), pertence-vos a da tentativa de aclimação da balada e do canto real.
O que sói suceder com alguns vocábulos que se arcaízam e morrem, para renascerem mais tarde, logrando geral aceitação, sucede também com certos gêneros poéticos, ontem aplaudidos, deslembrados e apagados depois, e depois ressurrectos.

A história do soneto comprova o asserto, comprovam-no por sua vez a balada e o canto real.
A balada, de par com todos aqueles poemetos, lais, virelais, triolets e rondós, que, segundo Marot, compunham o Breviário do Templo do Amor, tem, como é sabido, na poesia francesa do século XV o seu maior dia de glória e popularidade. Decai depois no outro século com a admissão e prática de novos metros, e se ainda em setecentos um ou outro amigo de antigualhas, como La Fontaine, procura ressurgir-lhe donaire e graciosidade, rápido e enganador é o assomo de vida. Mais de cem anos levou ela a dormir sono de inglório esquecimento até que, como na lenda da Formosa do bosque encantado, um dia, meado o século XIX, um príncipe da rima e do verso perfeito, T. de Banville, a acorda com um beijo. Ex-surge, revive, levanta-se e ei-la de novo requestada e querida.

Fostes também ao seu encontro em terras de França, e pela primeira vez plagas brasileiras a hospedam. Receio, entretanto, lhe sejam infenso este clima, e só por amor vosso e solicitude não venha a definhar e morrer.

A balada de forma clássica – e o mesmo direi do canto real – com o seu determinado número de estrofes rigorosamente simétricas e versos de determinada medida, alternando-se regularmente agudos e graves, com suas rimas entrelaçadas e as mesmas nos mesmos couplets, e ainda com o seu estribilho invariável, parece-me entre nós de dificílima execução. Se a quiserem ajustar fielmente ao modelo, tratá-la como feitura artística, evadir-lhe as rimas triviais e matizá-la das peregrinas ou raras, não será isso empresa para qualquer, e só por milagre, um desses milagres de talento, como o vosso, deixará de ser sacrificado o surto espontâneo da inspiração. Para experimentar poetas e tratear-lhes a paciência já nos basta o soneto à moderna, todo galeado e garrido de consoantes surpreendentes, e dele se sabe que, não obstante há séculos aclimado entre nós, raro dentre o inumerável número deles pode campar sem mácula, e valer para si um poema, conforme a sentença de Boileau.

Para homens, porém, como vós, parece foram escritas aquelas palavras de Marmontel:

“A satisfação de romper obstáculos é maior do que muitos presumem, em se tratando de cousas de arte, e tenho para mim que tais dificuldades, se não foram por demais penosas e opressivas, devem ser mantidas, se para as vencer houver a precisa desteridade e com isso mais um prazer do artista.”

Desteridade e prazer artístico manifestais realmente, tratando entre nós a hóspeda peregrina, por isso de vossas mãos sai ela ordinariamente como se vos não custasse o menor esforço.
Pesa-me não possuir os vossos encomiados dons de dicção para exemplificá-lo com estes versos de um doce ritmo de embalo de rede de penas:

BALADA
Pela rosácea do vitral, desfeito
Em cores, entra o pálido luar.
Dorme! Entre as névoas de teu alvo leito
Vejo-te o seio brandamente arfar...
Dorme! Lá fora dorme o velho mar;
Na muda noite a abóbada infinita
Apenas vela e tremula palpita.
Dorme! Nos campos adormece a flor.
E a ave no ramo, que o favônio agita,
Como tu, adormece, meu amor.

Em vão procuro ouvir, em vão espreito
Se nesse inocentíssimo sonhar
O meu nome se escapa do teu peito,
Ah! se estiveras tu no meu lugar!
Dorme! Das rimas a caudal bendita
Desta boca febril se precipita
Num som dulcíssimo e acalentador.
A alma que eu trouxe antigamente aflita
Como tu, adormece, meu amor.

Dorme! Nem sabes como contrafeito
Vejo-te os lábios sem os não beijar...
Com que desejo, mas com que respeito
Contemplo a tua carnação sem par!
Dorme! Como tu, dorme o nenúfar
Da fria linfa na prateada fita...
Só do meu coração a surda grita
Se escuta no silêncio esmagador!
A lembrança das horas de desdita,
Como tu, adormece, meu amor.

Rainha de meu ser, dorme e acredita
Que aos brancos pés de deixo a alma precita,
Misto de ciúmes, de êxtase, de ardor...
Ai! dorme... a voz que estes cantares dita...
Como tu, adormece, meu amor...

Longe fora se, enleando a atenção dos que me ouvem com o prestígio de vossa musa, houvera de, como trasflores de fino esmalte, mostrar em vossa obra poética outros mimos de arte assim delicados.
Mas convém contrair o discurso. Orações acadêmicas de recepção de novos companheiros devem ir pouco além das palavras de boas-vindas. Os que aqui entram já vêm julgados ou já foram lá fora eleitos.
Não fecharei, entretanto, o meu discurso sem que vos manifeste de público o muito que vossos amigos ainda esperam de vossa atividade e gosto das letras.
O melhor fruto colhe-se mais tarde.

Sois o mais moço desta assembléia. Assim como por vossa mão vieram até nós antigas formas literárias, virão amanhã as novas idéias de um novo período social, de uma nova e talvez melhor humanidade, que a dura lição da guerra prepara.

A atualidade é de sobressaltos, de indecisões, de ansiosa expectativa. Em letras e em tudo, como naqueles tempos chamados por Lamartine “de ceticismo e de álgebra”, tateia-se, não se pisa firme nenhum caminho. O da grande arte que foi o Romantismo, batido de um sol nunca visto e com acidentes de paisagem até ali jamais admirados, acabou partindo-se em atalhos e veredas sem horizonte.
Só de 1885 a esta parte, como traz um curioso estudo de Florian Parmentier, para mais de cinqüenta agrupamentos literários se formam, alguns com desenvoltos manifestos, dizendo ao que vem. É o Simbolismo com os cenáculos deste período, Decaidismo, Magnificismo, Magismo, Socialismo, Anarquismo e Escola romana. São os paroxistas ou partidários de Emile Verharen; os regionalistas, sectários de Charles Brun; os jamistas ou os da companhia de Francis Jammes; os poetas esotéricos e os espiritualistas, ou os que vão com Edouard Schuré. São os naturistas, ou os faccionários de Saint-George de Boujelier. São os futuristas ou os pactários com Marinetti, e opostamente os primitivistas ou os abarracados sob Lérys, Marc Dhano e George Gaudion.

São os humanistas, os subjetivistas, os sinceristas, os floralistas, os dramatistas e tantos e tantos outros, como a luxuriar verduras de redor de tronco a meio apodrecido, multidão de vergônteas cada uma das quais de si consigo presume ser árvore. São as pequenas escolas, as meias ou mal esboçadas escolas, grupos ou bandos esparsos, como no deserto o arranchamento de tribos errantes.
O estado social com que se entretecem fio a fio estas cousas, explica talvez estas ramificações ou diversão de credos literários. Falta um ideal superior que a todos irmane e congregue. Político? Moral? Religioso? Religioso, moral e político e, no que nos toca, artístico e literário.

Trá-lo-á o dia de amanhã, finda a calamidade da guerra? Ninguém sabe o que está além deste horizonte cheio de fumo e relâmpagos... Não pode ser outra guerra. Seria o titubear, o ruir de toda a civilização. A mais plausível das conjeturas é que uma paz duradoura e benéfica se seguirá ao troar dos canhões derradeiros. Então – como sobre as devastações do incêndio, na terra em que só ficaram de pé queimados troncos, rebenta feraz vegetação, que em breve é nova e mais virente floresta, cujas árvores vestidas de sol, gorjeadas de pássaros não tarde que se desabotoem em flores e se carreguem de frutos – desta deflagração ou abrasamento de povos, das cinzas da destruição do incêndio da guerra, hão de surgir as forças produtoras da paz e do trabalho fecundo, onde ainda há pouco era tudo assombro e excídio tremendo.

E como nas fases de formação do nosso planeta, ao propiciar-se-lhe à vida a superfície e ar circunstante, surdem as primeiras espécies representativas deste ou daquele reino – formas literárias desconhecidas, desconhecidos gêneros e ainda os de há muito esquecidos acharão ambiente apropriado ao seu aparecimento ou ressurreição. A epopéia abrir-se-á talvez, como flor de bronze, nesse chão ainda empapado de sangue, para celebrar feitos como nunca os sonhos a Musa antiga. Talvez o idílio à Teócrito ou Gessner revirá com revir a vida simples dos campos, com o amanho e o agricultar dessas terras pesadas de ferro e detritos das surriadas da peleja. O drama e o romance, tão lazarados, como os vemos aí das corrupções dos costumes, terão talvez mais pura fonte onde haurir inspiração à sua urdidura e entrecho.

Talvez a ode subirá em suas asas gloriando-os, num clarão de apoteose, os nomes dos que fizeram rosto à terribilidade armada e arrogante dos novos Bárbaros.
À nossa América, como hoje lhe chega o sopro da fornalha européia, aquecendo todos os peitos, chegará o bafejo dessa manhã de reconstituição social, de povos, que se refarão para o Bem, o Amor, o Progresso, a Civilização. E hão de soar e vir até nós, que lhe responderemos, concertando com suas vozes, as alvoradas da Vida Nova, os hinos do Labor e da Paz.
Sereis, esperamos, um desses poetas. Os vossos cantos bastam-vos à glória de hoje: os de amanhã podem ir ao mais longínquo futuro.

Bem-vindo o novo acadêmico.