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Francisco de Castro

       

                 IGNOTA DEA

 

Oh formosa mulher, franzina, pálida,

Encarnação de um sonho, és a crisálida

         Que oculta um ideal.

Deste mundo no mísero degredo,

De meu destino deste-me, em segredo,

         O condão virginal.

 

Eu julguei-me feliz por um instante

Ao receber no catre, agonizante,

         A unção de teu olhar!

Nessa idade de enlevos inquieta,

Dos meus líricos sonhos de poeta

         Vivi só por te amar!

 

Hauri verdores de teu casto seio;

De criança no tímido receio

         Pulsou-me o coração,

Que, arrebatado na asa do delírio,

Erguendo-se do amor foi ao martírio,

         Em mística elação.                 

 

Mais tarde, blasfemei do meu passado;

Do cálix da amargura envenenado

         Traguei o negro fel...

Remorso, patrimônio de infelizes,

No coração deixaste as cicatrizes

         De úlcera cruel!

 

Ai! foi por ti, mulher, que eu lacerara

Viçosas ilusões que tanto amara

         De minha vida em flor!

Mas minha pobre lira ainda é tua;

Tu és de um anjo a imagem que flutua

         Em meus sonhos de amor.

 

 

                 AMARGURAS

 

Sobre o mar agitado dos tormentos

         Um dia eu me perdi,

E embalde perguntei aos quatro ventos:

         - Por que foi que nasci?

 

Desamparou-me a última esperança

         Que o meu peito nutriu,

- Fantástica miragem de bonança

         Brilhou e se esvaiu.

 

Minha infância passou qual de uma aurora

         O fugitivo espaço;

Já não sinto a seu seio unir-me agora

         De minha mãe o abraço.

 

Meu peito é como um templo abandonado,

         Já quase a desabar;

A imagem saudosa do passado

         Habita o ermo altar.

 

A saudade é o anjo das tristezas

         Que me acompanha a mim.

Oprimem-me pungentes incertezas,

         - Pesadelo sem fim!...

 

Oh! eu invejo a ave que se esconde

         No espesso laranjal:

Ao gemido do mar ela responde

         Com o canto matinal!

 

E à hora fatal de ave-maria,

         Quando adormece a flor,

Ela solta uma casta melodia

         De límpido frescor.

 

Dos meus cândidos sonhos inocentes

         Bem cedo despertei;

E o tributo de lágrimas ardentes

         Ao martírio paguei.

 

 

                          O CÁRCERE

 

O cárcere não é aonde se redime

Somente a perversão de quem comete o crime;

Às vezes se converte em um abrigo santo

Por sobre o qual estende o Onipotente o manto:

Debaixo de seu teto, em longa penitência,

Encontra-se também a imagem da inocência.

Ali nem sempre escuta o pobre condenado

O eco do remorso a repetir: - malvado!

Também a voz escuta - a voz da coração -

Que o anima e o consola em horas de aflição!

Nem sempre ali se dorme o sono do assassino,

Ao dobre funeral de lutuoso sino,

Também dorme-se em paz o sono da criança

Sonhando do futuro a mística esperança.

O cárcere é o antro onde o soluço habita,

E na friez do crime o coração tirita.

Às vezes, ao contrário, é o degrau de luz

Por onde o mártir sobe em busca de uma cruz.

Tudo ali tem do túmulo o lúgubre conspecto:

A voz não passa além do enegrecido teto;

Da consciência o sol parece que se apaga

Debaixo do pavor que o coração esmaga.

Porém o criminoso, em cujo crânio escuro

Passa como um fantasma a sombra do futuro,

De oculta mão sentindo o peso esmagador,

Em meio à atmosfera em que circula o horror,

Na consciência tem um pássaro voraz:

É o remorso que crava as garras infernais.

 

 

 

                           MURMÚRIOS

 

A vida é como um porto ao qual ancora

Barca que vem do nada e ao nada volta;

E após o curto espaço de uma aurora

O pano esfarrapado aos ventos solta.

 

E ai do nauta que o tufão sacode,

Como um ludíbrio do sofrer ao cúmulo!

Ai de quem busca, mas achar não pode

A paz do coração na paz do túmulo!

 

No entanto a natureza é uma harmonia

Imensa, eterna, indefinida, santa:

Como a estrela no céu brilha a ardentia,

E o homem vive como vive a planta.

 

A floresta murmura os seus segredos

Em um concerto místico e suave;

Das folhas ao tremer nos arvoredos,

A voz se exala da garganta da ave.

 

Como as virgens na flor dos seus encantos,

Têm também seu perfume as violetas...

O poeta à solidão solta os seus cantos

Como um bando de leves borboletas.

 

Soluça o mar seus merencórios trenos

Que o vento arrasta pela noite santa:

Se a vida é uma canção eu quero ao menos

Cantar morrendo como o cisne canta.

 

 

 

 

 

                          O POETA

 

Na jaula das selvas sentindo-se escravo

Rugido medonho soltara o leão,

Bem como se acaso no peito do bravo

Cratera estalasse de aceso vulcão.

 

Os montes, na aresta de enormes barrancos,

Tremeram erguidos no seu pedestal,

Talvez que batesse seus túmidos flancos

A clava invisível do gênio do mal!

 

Corria nos ares fatal pesadelo,

A terra gelava mudez tumular,

A noite era um antro cercado de gelo,

E os astros dormindo caíam no mar.

 

Entanto vagava naquela paragem,

Mais mudo que a terra, mais frio que a noite,

Romeiro perdido de ignota viagem,

Sem ter nos desterros aonde se acoite.

 

Quem é que sabia de que astro ele vinha?

E o triste a que portas iria bater?

Sua alma profundos mistérios continha,

E nela o infinito podia caber.

 

Chamaram-no - gênio; chamaram-no - louco;

Viveu de utopias,- loucura do céu!

Passou e sumiu-se: caiu dentro em pouco

Nas fauces hiantes de negro escarcéu.

 

Auréola de mártir a fronte lhe cinge

Possui do destino funesto condão;

Da vida nos transes, a dor - essa esfinge,

Suspende nas garras o seu coração.

 

Passou qual bacante de orgia encantada,

Gastara um tesouro de crenças celestes,

Foi pobre na terra de vícios manchada,

Trocou por andrajos as cândidas vestes.

 

Foi alma tão funda que embalde se a sonda;

Jamais o interesse domara-lhe os brios...

Foi alma fecunda: - foi luz e foi onda:

Brilhou com os astros, correu com os rios!

 

 

 

                                                                         (Harmonias errantes, 1878