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Augusto de Lima

                          A SERENATA

                      A D. Olga de Suckow

Plenilúnio de Maio em montanhas de Minas!

Canta, ao longe, uma flauta e um violoncelo chora.

Perfuma-se o luar nas flores das campinas,

Subtiliza-se o aroma em languidez sonora.

 

Ao doce encantamento azul das cavatinas,

Nessas noites de luz mais belas do que a aurora,

As errantes visões das almas peregrinas

Vão voando a cantar pela amplidão afora...

 

E chora o violoncelo e a flauta, ao longe, canta.

Das montanhas, cantando, a névoa se levanta,

Banhada de luar, de sonhos, de harmonia.

 

Com profano rumor, porém, desponta o dia,

E na última porção da névoa transparente

A flauta e o violoncelo expiram lentamente.

                           (Símbolos, 1892)

 

 

                             A DESCIDA

Homem, remove este rochedo e a rara

Galeria interior contempla e estuda;

Desce, e da terra pela ossada muda

Leva tua razão de ciência avara.

 

Na treva expira a luz há pouco clara,

O ar em sulfúreo gás já se transmuda

Coragem! desce, e os séculos saúda,

Desce mais, desce mais... agora para.

 

Mas não! lá fulge um fogo subterrâneo:

- E mergulhas no cérebro do globo,

- E lhe penetras de outro lado o crânio.

 

Desce! não! sobe agora; um brilho intenso

Banha-te o corpo, e num heroico arroubo

Eis-te boiando no oceano imenso.

                    (Contemporâneas, 1887)

 

                         O CÉTICO

 

“Percorro da ciência o labirinto,

E em tudo encontro um eco duvidoso:

Matéria vã, espírito enganoso,

Mentis, tudo é mentira, eu só não minto.

 

Vejo, é verdade, a vida e a vida sinto,

O calórico, a luz, a dor e o gozo,

A natureza em flor, o sol formoso

E o céu das cores da Aliança tinto.

 

Mas quem, senão eu mesmo, vê tudo isto?

E quem pode afirmar-me que eu existo,

Visões celestes, velhas nebulosas?”

 

E em seu crânio a razão desponta e morre,

Como o santelmo fátuo, que discorre

Na solidão das minas tenebrosas.

                             (Contemporâneas, 1887)

 

 

              SONHO TRANSFORMISTA

                  A Gaspar da Silva

 

O giro do Ser é vário,

Do Tempo ao eterno escopro.

O gozo de hoje é precário,

E foge-nos como um sopro.

 

Quem diz que a flor no pedúnculo

Não é uma alma a cismar,

E que os brilhos do carbúnculo

Não são chamas de um olhar?

 

A podridão é antitética;

Cria os vermes e os perfumes,

E na sua treva hermética

Palpitam ridentes lumes.

 

É uma retorta o ossuário,

Em que se fabricam flores;

Do humor frio de um sudário

Fazem-se as tintas das cores.

 

É monótona a existência

Antes da Dissolução;

Só depois a nossa essência

Paira livre na amplidão.

 

Ou pelo deserto lívido

Vai correndo errante, errante...

Ou da flor no cálix vívido

Se faz perfume fragrante.

 

Arranquem-me a ardente túnica

Da vida agitada e vã:

Vejam, minha ambição única

É a de ser lírio amanhã.

                 (Contemporâneas, 1887)

 

        FLOR CARNÍVORA

            A Lucindo Filho

 

Há uma flor de lindo aspecto

E colorido brilhante,

Cujo perfume fragrante

Atrai ao cálix o inseto.

 

As asas fechando e abrindo,

Este o mel nectário bebe,

No entanto a flor o recebe,

As pétalas contraindo.

 

Contrai-se e se abotoa,

E tanto os nervos constringe

Que a corola o suor tinge

Da seiva fecunda e boa.

 

E na rescendente cela

O aventureiro encerrado,

Depois de a flor ter sugado,

Ei-lo sugado por ela.

 

Tal a sorte da alma louca,

Que atraída pelo gozo,

O doce filtro amoroso

Vai beber em tua boca.

 

Pois és a imagem exata

Da bela flor assassina,

Que melifica e fascina,

Perfuma, seduz e mata.

 

          (Contemporâneas, 1887)

 

          O PARADOXO

Quem pôde jamais dizer-me

Com certeza donde vim,

Se sou simplesmente um verme,

Ou se Deus está em mim?

 

Mistério! a vida eu a sinto

Como um fluido incandescente

Nas veias; porém não minto

Dizendo que a acho excelente...

 

Mata-me o tédio do mundo

E nisto encontro prazer.

Como Hamlet meditabundo,

Agito o “ser e não ser”.

 

Sou uma antítese viva,

Talvez um sonho do caos,

Extrato que Javé ou Silva

Fez dos gênios bons e maus.

 

Contrastes me não surpreendem:

Fascina-me o Bem; o Mal

Tem atrações que me prendem

Dentro de um fosso fatal.

 

A metafísica nunca

Fez coisas tão encontradas:

Sou rico, e habito a espelunca,

Choro, dando gargalhadas.

 

Às vezes, até duvido

Se sou, e me palpo então,

E no vivo peito ardido

Sinto da Morte a canção.

 

É que ardem no paraíso

Infernos, engana o amor,

O lábio mente e o sorriso

É uma paródia da dor.

            (Contemporâneas, 1887)

 

                         SÍSIFO

Por um alto desígnio e lei estranha,

Há muito cumpro a original sentença

De guindar uma rocha a uma montanha,

Até que fique imóvel e suspensa.

 

Vou a subir; porém, mole tamanha,

Na luta ascensional, quem há que vença?

Eis que solta, rolando, o abismo ganha,

Quando firme no píncaro se pensa.

 

Até quando esta luta? O tempo voa,

Na hecatombe das horas se esboroa

A esperança que ao alto me envereda.

 

Vamos! Coragem! Um supremo esforço:

Que a penha galgue da montanha o dorso,

Ou que ao menos me esmague em sua queda!

 

                                 (Símbolos, 1892)

           MUNDO INTERIOR

 

Quem me vê meditabundo

E de olhos fechados, brada:

“Eis uma alma encarcerada,

Indiferente a este mundo.”

 

Mal sabe a turba inexperta

Que, por mais que se retraia

De nossa matéria a raia,

Mais a razão se liberta

 

Pois, da abstração da Utopia

Surge não raro um compasso;

É um sonho infinito o espaço,

Mas real a Astronomia.

 

Se sondo, investigo, estudo,

Buscando a ciência que almejo,

Fito os astros,- nada vejo,

Cerro os olhos, - vejo tudo.

 

Nas horas em que medito,

(Quão breves são essas horas!)

Em minha alma abrem-se auroras

Com portas para o infinito.

 

Nesse mundo de esplendores,

Com os sentidos devoro

O acorde, prisma sonoro,

O prisma, acorde das cores.

 

E para que mais me encante,

O pensamento divino

Torna-me o olfato mais fino

E a vista mais penetrante.

 

Quanto à minha alma, entretém-na

A harmonia eternamente;

Porque o silêncio inclemente

Só na matéria é que reina.

 

                              (Símbolos, 1892)

 

           NOSTALGIA PANTEÍSTA

 

Um dia, interrogando o níveo seio

De uma concha voltada contra o ouvido,

Um longínquo rumor, como um gemido,

Ouvi plangente e de saudades cheio.

 

Esse rumor tristíssimo, escutei-o:

É a música das ondas, é o bramido,

Que ela guarda por tempo indefinido,

Das solidões marinhas de onde veio.

 

Homem, concha exilada, igual lamento

Em ti mesmo ouvirás, se ouvido atento

Aos recessos do espírito volveres.

 

 É de saudade, esse lamento humano,

 De uma vida anterior, pátrio oceano

Da unidade concêntrica dos seres.

                           (Símbolos, 1892)

 

              RISO E PRANTO

Duas frações o grande todo humano

Encerra: uma que ri, outra que chora.

Dúplice monstro, contrastado Jano,

Tem numa face - a noite, e noutra - a aurora.

 

Mas em seu seio eternamente mora,

Como o polipo no profundo oceano,

A dor que o riso mentiroso enflora,

A mesma dor que verte o pranto insano.

 

Basta que riso ou lágrima ressume

Da contração de um músculo irritado,

Temos amor, pesar, ódio ou ciúme.

 

Nem sempre o riso é uma expressão de agrado,

E às vezes quem mais chora se presume

Feliz, por parecer mais desgraçado.

 

                        (Símbolos, 1892)