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Ataulfo de Paiva

JUSTIÇA E ASSISTÊNCIA SOCIAL

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Certo, não é pequeno o risco de falar em nova Justiça, em Justiça moderna, em novos horizontes da Justiça, ideias que repugnam em princípio e parecem mesmo paradoxais. Virtude moral que implica o respeito aos direitos de outrem, a Justiça aparece como a forma suprema de um soberano poder absoluto. Ela consubstancia e representa a defesa completa, a proteção inteira e ilimitada contra o mal, a equidade e a reciprocidade conjugadas, o respeito à dignidade humana, o perfeito consórcio das grandes individualidades coletivas com os altos interesses de toda a humanidade. O que não é justo não é moral, o que não é moral não é justo, afirmou Dollfus. Assim considerada, a Justiça não tem e não pode ter gradações. Ela não depende de convenção, não está sujeita a contingências, a incertezas, a eventualidades.

Constituindo a firme e perpétua vontade de traçar as regras atributivas e distributivas do que pertence a cada um, a Justiça é, dos grandes elementos do espírito humano, o que maior dificuldade encerra para ser definido e classificado. A lei moral é universal, e, por conseguinte, erraria sempre quem pretendesse, com uma única fórmula e sob um único princípio abstrato, caracterizar os sentimentos complexos da noção comum, da concepção genérica da Justiça.

Nem a ideia matemática da igualdade, nem a da proporcionalidade, da equivalência, da reciprocidade, nem a ideia da harmonia e da beleza, nem a de identidade e de acordo de pensamento, nem a ideia mais larga da própria solidariedade, entrado de algum modo na ampla noção de Justiça, bastam para esgotar o seu conteúdo, tal a variedade de imagens, o calor, a força que a sua evocação desperta no espírito dos homens. Ligada às concepções éticas, políticas, filosóficas e religiosas, a noção da Justiça e da sua evolução através das idades ainda hoje resta sem precisão nos domínios da consciência social. Nenhuma sociedade pôde repousar sobre regras de conduta provisórias. Para assegurar a estabilidade, torna-se mister a fundação de preceitos e princípios que regulem e inspirem a vida comum. São as fórmulas do ilustre Tanon, que numa simples observação pretende justificar o asserto. De um lado, a pobreza da ideia de Justiça nos tempos primitivos reduzida às reparações grosseiras, às agressões violentas; do outro lado, essa mesma ideia, entre os povos civilizados, condenando as mínimas ofensas, saindo dos círculos da família e dos agrupamentos primitivos para se entender amplamente, revestindo um vasto caráter de completa generalidade.

Mas as ideias morais e de Justiça encontram ainda maiores dificuldades. A escola evolucionista faz decorrer o fundamento delas do princípio geral do progresso. Aqui está o ponto de partida das intermináveis e complicadas dissensões. Ao conjunto da evolução da vida social deve estar inteiramente ligado o da evolução do Direito. O desenvolvimento da vida individual e coletiva forma a cooperação social, e as formas diversas correspondem aos múltiplos modos do exercício das atividades individuais, isoladas combinadas ou associadas. O progresso, que é a grande forma da manifestação espontânea, aparece então, pela passagem da cooperação forçada, procedente das formas da autoridade, para a cooperação voluntária, saída do consenso dos interesses e da vontade geral presumida que ela exprime. O ideal do progresso, conclui Tanon, consiste, nas sociedades civilizadas, no exercício da cooperação legal livremente consentida ou voluntariamente livre.

Essas proposições fazem ressaltar questões novas de não pequeno valor. Importa saber se a civilização pressupõe o progresso, ou, melhor, se a civilização progride ou se está em decadência. O problema apaixona os espíritos modernos. Claro está que ele é de molde a provocar alarme nos arraiais do evolucionismo militante. Para os seus entusiastas, a evolução é a lei do universo, que é, como consequência, a do próprio espírito humano. Na controvérsia, porém, entram igualmente as ciências da natureza e da história, a psicologia comparada e a sociologia. Cada uma busca apoio para as suas conclusões. Émile Faguet pretende pôr a questão nos seus devidos termos, criticando a obra de Jules Delvaille sobre a ideia de Progresso. Comte havia dito que essa ideia é toda moderna, inteiramente recente, sem que a antiguidade tenha tido noção algum dessa fórmula. Delvaille concebe o elemento progressivo como uma ideia, boa, bela, salutar, um prejuízo necessário. E Faguet quer que ele seja um prejuízo inútil e mesmo perigoso. Por que considerar útil um prejuízo que não conheceram os antigos e sem ele fizeram as maiores coisas, que não foi conhecido na Idade Média, na Renascença e que data apenas de duzentos anos?

Para o tema proposto, porém, o judicioso acadêmico faz uma concessão de alta monta. Não há progresso, mas é mister acreditar francamente nos progressos. Há melhoramentos parciais, possíveis, melhoramentos a que ele desdenhosamente chama - divertimentos necessários para o gênero humano. A ideia de progresso fica assim transformada não somente numa utilidade, mas numa necessidade, numa verdade. E nada mais característico do que o espírito de Justiça para demonstrar a escala palpitante das modificações lentas, da sucessão, da série de sentimentos, de princípios e de teorias, que formam uma verdade indiscutível e incontrastável.

A concepção da Justiça ainda permanece confusa, mas os efeitos dela nas sociedades modernas sempre aparecem positivamente, claramente definidos. Não é necessário remontar ao transformismo na Antiguidade. Aí é bastante conhecido o estado das modificações. A preciosa unidade social era desconhecida; a ciência social não existia. A doutrina da exterminação recíproca era dominante. A violência era a regra. Não obstante, a sublime origem do cristianismo operou a grande e primordial etapa no terreno da Justiça amenizada, em que pese ao proudhonismo revolucionário, sempre pronto a considerar que o espírito de Justiça não pode sair de uma dedução dialética de noções.

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                                  (Justiça e assistência: os novos horizontes, 1916.)

 

O JARDIM DA ACADEMIA

(Discurso pronunciado em 1º de maio de 1936)

Semanas de vivíssima alegria aquelas em que transferíamos para o Petit Trianon a sede da Academia! Certo, estávamos radicados na casa dita “das associações sábias” para a qual a cultura clássica e o talento criador de Ramiz Galvão acharam uma denominação sintética e precisa - Silogeu, - fadada a entrar definitivamente no uso corrente e até em recente e provecto dicionário da língua; certo, nos ligavam ao Silogeu, nosso alojamento de empréstimo, inúmeras recordações, tanto mais prontas a fixarem-se perpetuamente na memória quanto nesta se imprimiram em tempos difíceis.

Os conhecidíssimos versos de Dante - Nessun maggior dolore... - podem ser invertidos: é agradável rememorar na prosperidade o passado penoso. Não se nos acoimará, porém, de ingrato ao confessarmos o júbilo que nos produziu a mudança para este palácio, que reproduz as linhas do versalhês, tão fielmente aqui repetido, que, em certos instantes de recolhimento o acadêmico, isolado nalgum dos seus salões, cuida ter percebido o roçar do fantasma da rainha graciosa que encomendou a Gabriel o nosso modelo europeu.

Mas, por isto mesmo que tudo aqui nos impele à evocação de Versalhes, que eu, mais de uma ocasião, visitara entre enlevado e atônito, cada vez que aqui voltava a regalar meus olhos de novo hóspede, ainda meio incrédulo da realidade do esplêndido presente que, inesperadamente e graças à magnanimidade da França, gloriosa e eterna, patrona universal das obras de espírito, e às instâncias valiosas e persuasivas de Afrânio Peixoto, ia permitir à Academia a instalação definitiva neste palácio; a cada uma das minhas primeiras visitas de ainda deslumbrada testemunha da realização desse conto de fadas, - mais aguda e obsidente se tornava para mim a estranheza de não ver, junto à casa de fino estilo, um jardim cujos verdes suaves lhe formassem a indispensável moldura.

Quem representará Versalhes sem as umbrosas alamedas de castanheiros e os frescos tapetes gramados de Le Nôtre, tão imponentes umas e outros que o visitante chega a se perguntar se o parque terá sido feito para o palácio ou o palácio para o parque? Assim, também, quem evocará um Petit Trianon, sem a esplanada verde que, em cambiantes de veludo exposto à luz, se desdobra até aos bosquetes e aos riachos da Aldeia Suíça, esse tocante capricho de uma rainha ainda com a frescura d’alma de colegial que brinca com bonecas? A infeliz Maria Antonieta - ai dela! - estava brincando com fogo...

A vista reclamava aqui um recanto verde onde repousar e ocasional ponto de partida para algum sonho, pois que as árvores e as flores são como que desligadoras da realidade: ao darem nossos olhos com esses deliciosos adornos da terra, o espírito liberta-se automaticamente da materialidade grosseira e foge, para muito longe, nas asas da fantasia ou da saudade.

Não fui tão humilde como terei parecido aos meus caros confrades ao solicitar-lhes a graça do título de “jardineiro da Academia”, e isto precisamente no momento em que licença me havia sido concedida para declinar de honrosa mercê com que a nossa grei generosamente queria fazer registar em suas atas serviços que não tinham valor algum. Eu vinha do Secretariado Geral da memorável presidência Carlos de Laet e fora, pelo sábio Conde acadêmico, encarregado apenas de preparar e organizar o pungente adeus ao Silogeu, transferindo o seu patrimônio das letras para a nova morada. Com que dor o fiz! Tantas glórias despontaram, raiaram, para a Academia, naquele vetusto, desgracioso, mas respeitável casaréu!!

Graças, porém, que não íamos para plagas distantes. Seríamos vizinhos. O marulho das ondas da Praia da Lapa tem a mesma euritmia, tanto daquele como deste lado do Obelisco. As suas verdes águas, dia e noite, aconchegadas, se confundem, como se fossem almas irmãs pedindo aos deuses que as protejam e com elas partilhem as venturas do mundo. Eis por que deixem que fale a sinceridade, a alegria de viver sob este faceiro e primoroso teto também era muito grande. Não fosse a Vida cheia de caprichosos contrastes!...

O desejo de enfeitar de verduras o deserto terraço da nova moradia eu alimentava, em verdade, para povoá-lo de fontes de inspiração, pois que, se cada árvore aparece como uma amiga, cada flor se balança em sua haste com um encanto de graciosa musa, por sinal, capaz de se transfigurar na mulher amada. Infeliz de quem não vir com esses olhos transformadores uma violeta ou uma rosa, mais adequadamente a rosa... que tem espinhos...

Os novos e generosos ocupantes do Petit Trianon satisfizeram o desejo do companheiro, ansioso por que todos que tivessem de penetrar nesta casa mergulhassem preliminarmente a alma no bálsamo da folhagem, em cuja suave frescura parece aninharem-se gênios bondosos que momentaneamente descarregam o viandante dos venenos da vida cotidiana e sublimam seus pensamentos.

Demais, desde os tempos de Teseu e Platão não forma o jardim um dos ornamentos das academias? Era entre os mirtos das alamedas de seu solar de Atenas que o eponímico Academus fazia reunirem-se e discorrerem os filósofos. E o nosso próprio estandarte acadêmico foi buscar ao vergel os ramos simbólicos do saber, com que se adorna.

Mas como guarnecer um jardim de academia, quais as plantas que lhe cabem, dignas do seu delicado papel de elevar almas e refrescar corações, abrindo clareiras amplas para o pensamento e espaços azuis para os sonhos? Tal a interrogação que a si próprio dirigia quem aqui se fizera jardineiro, por amor à Natureza e, também um pouco, por amor a Maria Antonieta, - que, entretanto, e apesar dos meus quase cem anos de idade, não cheguei a conhecer pessoalmente...

Impunha-se logo à escolha a hera, vegetal curioso e graciosíssimo, caro aos poetas e aos namorados, que também são poetas a prazo, quase sempre curto, como esse traiçoeiro Amor que os inspira e, ainda por uma insídia, ousa tomar por emblema a plantinha que, quando se agarra, não larga: Je meurs où je m’attache. O farsante, ao contrário, muitas vezes, larga... sem se ter agarrado. Quando ele entrar em juras sublimadas, desconfiai, jovens e encantadoras criaturas. Desde esse instante o farsola está de pé atrás, para em seguida pôr o segundo à frente... de outras.

O mimoso símbolo, porém, nada tem com as brejeirices dos namoradeiros. Ele aí está sorrindo, fresco, virente, em pleno vigor de sua beleza vegetal.

Os primeiros e genuínos exemplares eu fui descobri-los bem longe e com as minhas próprias mãos plantei-os carinhosamente. Com verdadeira ufania e terno sentimento, olho agora para as nossas amuradas, inteiramente cobertas, vestidas, resguardadas e defendidas pela misteriosa plantinha.

Castro Alves procurou uma moradia e veio alojar-se no jardinzinho. Companheiro amigo e fraterno! Não se dará mal aí o sublime cantor das Espumas flutuantes.

- Sede bem-vindo; a casa é vossa! - ter-lhe-ia dito a hera, despertada. - No meu colo adormecereis. Vede (colada à balaustrada, como a lábios amantes, dirá ela ainda:) - aqui estou para significar àqueles que não conhecem os moradores deste palácio que é assim que procuram aqui viver: - agarrados à constância de nobres anelos e, se não fossem imortais..., presos a entranhado amor por eles até à morte, trabalhando, sem saber o que de mau se passa lá fora, cantando sempre as suas glórias e os seus triunfos.

Ao lado da hera cabe o que é, foi e será a glória eterna, simbolizada no louro.

Não me foi então fácil obter, legítimos e com inteiro vigor, alguns exemplares da fidalga laurácea, que em vão fiz procurar nas cidades frias que lá das serras contemplam o Rio de Janeiro, talvez com a pontinha desdenhosa de quem se sente mais europeia do que a tropical metrópole da beira-mar. Não obstante, faltam-lhes os loureiros.

Os primeiros exemplares que aqui pude trazer não só simbolizavam a Glória em abstrato, mas também personalizavam uma glória individual. Em vibrante festa, rica de admiração e afeto, dedicou-os a Academia ao nosso Alberto de Oliveira, poeta altíssimo, como a Apolo haviam sido consagrados os loureiros da Grécia. Uma vibrante festa, repito, sempre na memória de todos nós, pois que em honra a quem, mais ainda que ao nosso lado, vive dentro de nós, em culto que os anos só fazem crescer.

Pena, porém, que esses primeiros exemplares hajam logo fenecido, - pouco mais tendo resistido que as malfadadas rosas que Malherbe assegura haverem apenas durado o espaço de uma só manhã, mas que as citações baratas fazem implacavelmente reviver cada dia que passa.

Cá está agora uma nova geração de loureiros, trazida para se identificar com a nossa terra, para se incorporar ao nosso palácio e conosco viver a mesma vida de ansiedades e vitórias. Estes vieram de bem longe lá da maravilhosa Itália, onde o laurus nobilis tem o seu habitat espontâneo, como um nativo patrono da gente latina, eternamente embriagada de sonhos de glória, cantados em poemas imortais e realizados em conquistas espirituais, igualmente imperecíveis.

Ao visitante da Cidade Eterna, que logo corre ao Fórum e ao Palatino para evocar entre suas ruínas sagradas a grandeza imensa da República e do Império romanos, impressiona, como se nisto percebesse o desígnio de um fado, a promiscuidade em que ali vivem com os loureiros nativos as lápides enegrecidas e as colunas partidas, das quais parece erguer-se até aos ouvidos do passante a voz dos grandes séculos, testemunhas perenes a narrarem incansavelmente, pelas idades em fora, os feitos primorosos e os ideais de seus contemporâneos. Pois os loureiros do Fórum enlaçam com suas raízes colunas e lápides, sombreiam-nas com suas folhagens virentes, como se o Destino houvesse intencionalmente associado para sempre árvores e pedras de Glória.

Estes elegantíssimos loureiros que ides ver agora rebentaram da mesma itálica terra onde seus antepassados viveram com os heróis famosos. Devemo-los à esquisita gentileza do Ministro Macedo Soares, que espontaneamente os destinou à decoração do jardim da Academia. Sua Excelência encomendara-os ao Conselheiro de Embaixada José Roberto de Macedo Soares, que acabava de exercer com brilho invulgar as funções de Encarregado de Negócios junto ao Quirinal e preparava seu regresso ao Brasil.

Com que carinho o fino diplomata os acolheu e conduziu até cá, a bordo desse augusto Augustus; a mesma nau maravilhosa que semanas após se balouçaria de novo na Guanabara, trazendo-nos Guglielmo Marconi, o famoso Presidente da Real Academia da Itália!

Na perfeição das verdes copas, de que o viço ressalta a formosura, se percebe por elas haverem passado as mãos de mestres, cultores de plantas como de objetos de arte, - sempre o milagre dessa incomparável Itália, que a tudo imprime as belezas da sua vida fecunda, e cujo alto representante entre nós, o eminente Senhor Embaixador Cantalupo, criador e patrono do Instituto Ítalo-brasileiro de Alta Cultura, eu saúdo com todo o calor de uma admiração que se sente feliz por se poder manifestar nesta espiritual e excepcional festa acadêmica em homenagem ao grande Chanceler brasileiro, fiel cultor e amigo das letras, e ainda como recordação da imensa e eterna figura universal com que a Itália prolonga a linha dos seus gigantes das ciências físicas, que vai de Galileu a Volta e Galvani. Honra, ainda uma vez, a Guglielmo Marconi, nome que por si só exprime uma época da humanidade!

Plantemos, em sua glória, e como um eco, por entre ondas sonoras da sua triunfal passagem pela nossa terra, um destes formosos arbustos que devemos ao Ministro Macedo Soares, tão solícito em os fazer vir de além-mar para os oferecer à Academia, já agradecida por tantas outras suas preciosas atenções.

Aliás, bem pode dar louros quem, como Sua Excelência, os acaba de receber em tal profusão e vindos de todos os cantos do mundo, consagrando sua habilíssima e decisiva intervenção pessoal na tragédia do Chaco, página de extraordinário fulgor, digna de se inserir no Livro de ouro da bela história diplomática do Brasil.

Como a Alberto de Oliveira e Marconi, dediquemos ao Ministro Macedo Soares uma destas árvores, e, assim, os louros que a Academia lhe tributa se manterão permanentemente vivos e viçosos, viçosos e vivos como aqueles seus irmãos sagrados que, em tempos idos, ao confortante sol da Ática, nas referências da lenda, viviam em derredor dos templos, acompanhando as loas em favor da paz, das alianças e da concórdia.

Aquecidos pelos tons amorosos da perseverança, mesmo após as vitórias, eis, Senhor Ministro, os nobres atributos das vossas preferências e da vossa predileção. Ainda bem. Sonhar e realizar, sim, mas não dormir sobre os louros. Perseverar sempre, sem desmaios e sem esmaecimentos, como é dos vossos desígnios.

Voltaire, num famoso verso, disse que - Le sommeil est permis, mais c’est sur des lauriers. Permite-se o sono, mas sobre louros .

Em contraposição, D’Annunzio não consente o sono àqueles a quem o triunfo ilumina com seus clarões deslumbrantes, mas insaciavelmente exigentes de mais vitórias. A coroa de louros com que seus compatriotas, numa ocasião célebre, cingiram a fronte dannunziana, o agraciado a colocou sobre seu leito, mas dela fazendo pender este dístico implacável: “Per non dormire!...”

Não dormirá o herói, não dormirá o sábio, não dormirá o poeta, por isso mesmo que coroados. O louro é o oposto da papoula. Desta se extrai o ópio; a traiçoeira narcotina, que faz adormecer e mata. Aquele consagra os heróis. Terrível presente da Glória ao homem, que o torna simultaneamente um semideus e um escravo!

Obrigado, Senhor Ministro Macedo Soares, em nome da Academia! E o loureiro que ali está prolongará em perfumes e graça o nosso agradecimento.

                                                              (Discursos na Academia, 1944.)